Não sei quem descobriu que a crise provocada pelos escândalos "estava do outro lado da praça". A praça em questão não é a mesma na qual brilhava o finado Ronald Golias, morto na semana que passou. É a praça dos Três Poderes, mesmo. E "o outro lado" é aquele que, coincidentemente, fica ao lado do Congresso, onde está o Palácio do Planalto.
A desculpa de que a crise não estava na Câmara dos Deputados, mas no outro lado da praça, ou seja, na própria sede do governo, parecia desespero dos suspeitos de corrupção. Simples berro de cabrito, de cabrito que não é bom, uma vez que o bom cabrito não berra.
O episódio da eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados, na última quarta-feira, escancarou a verdadeira face da crise. Sem base suficiente e capaz de assegurar a governabilidade, o PT, que para uso doméstico adota o codinome de Campo Majoritário, pretendendo ficar no poder 20 anos, botou pra quebrar desde a campanha eleitoral de 2002, invocando a necessidade de garantir a elegibilidade.
Tanto a elegibilidade de antes como a governabilidade de agora foram lubrificadas por um esquema de corrupção inédito em nossa vida republicana. Os deputados do "mensalão" foram comprados por alguém e hoje sabemos quem foi esse alguém. Evidente que não foram os valérios e demais intermediários do suborno.
Para eleger o novo presidente da Câmara, o Executivo não podia manobrar com laranjas, secretárias e contínuos. Teve de mostrar a cara, jogar abertamente, abrindo a burra das verbas públicas que astuciosamente reserva para manobras em que é obrigado ao tudo ou ao nada.
O "verbalão" funcionou. Tal como no caso do "mensalão" - que, com as exceções sabidas, não se destinava ao bolso dos subornados, mas a pagar dívidas de campanha. O "verbalão" fez pior. Não pagou dívida nenhuma. Simplesmente comprou e recebeu.
Folha de São Paulo (São Paulo) 02/10/2005