Instintivamente, Chávez começa o recuo no projeto de forçar, num tsunami, a desfiguração das instituições democráticas básicas na Venezuela. É freio sobre a propalada revolução bolivariana, cada vez mais a confundir, hoje, a necessária mudança do status quo, com a garantia básica da liberdade, em qualquer sistema político e, à fortiori, do que levou o seu herói à derrubada do Império espanhol. A vaga, toda, do Presidente venezuelano é de transformar cada vez mais o princípio da representação em plebiscitário, e subordinar a noção política ao choque elétrico continuado da dita “voz do povo” em consultas sem fim.
A neoproposta bolivariana, hoje, é a da reeleição perpétua do Presidente; da mudança constitucional por fóruns frouxos, do controle das matrizes partidárias pelas corporações e sindicatos. Claro, neste levante populista os aproveitadores da hora e sicofantas do sistema alargaram, ainda, a proposta do Executivo e tornaram diminuta a sobrevivência das oposições ao governo de Caracas. Desde a tentativa confessa, de todo antigo regime de derrubar, há quase uma década, Chávez, de volta ao poder se legitimou de maneira contundente, e tornou inequívoca a fissura entre a violência instalada do país de sempre e o país da mudança e do horizonte acenado pelo venezuelano.
O fato do único importante partido, hoje, de resistência se chamar “Por um Novo Tempo”, indica uma nova consciência das viradas de página, mas não elucida ainda o quanto a democracia se pode petrificar na clássica ideologia da efetiva resistência à mudança real. Mas, de qualquer forma, o ônus agora passa ao outro lado e é impossível confundir-se um Estado Plebiscitário, com a obrigatória preservação dos pluralismos de opinião pública, autonomia dos movimentos sociais e rotação de mandatos presidenciais.
Chávez toma tento no reduzir a avalanche oportunista, que tornaria grotesca de vez a sua revolução bolivariana. Mas a tentação mais crassa do populismo aí está, e da transformação das vontades gerais no cansativo espetáculo das marchas populares e dos espetáculos mediáticos compulsórios. Perdeu já, por outro lado, a condição de integrar-se à sério com qualquer espaço continental a partir do que poderia ter sido o Mercosul.
O Uruguai e o Paraguai já estão fora do primeiro Mercosul, voltando a uma relação bilateral dominante com os Estados Unidos. A predominância dos mercados supra-continentais do Pacífico comanda cada vez mais o Chile, e a dinâmica prometida das relações entre Cristina e Lula começam quase que em novo marco zero, e bilateral, das relações entre o Brasil e a Argentina. O ninho dessas relações entre os países mais adiantados da América Latina não têm porque acolher o intruso, mormente quando já diz a que vem e sem freios.
Barrou-lhe o caminho o aviso de Sarney. A premissa democrática é condição de base para a real convivência continental, e não é outro o caminho que evidenciam, ao lado de Lula, os regimes do Chile e da Argentina. A maturidade do continente desceu já os preconceitos de gênero, e Bachelet e Cristina nos trazem para esse universo da concertação, tolerância e com o outro, tão distinta dos populismos armados das kolashnikofs de Chávez.
Jornal do Commercio (RJ) 19/11/2007