A segurança pessoal e social constitui uma das aspirações primordiais geradas pelo progresso da civilização, até o ponto de que todos nós temos o poder-dever de aspirar por uma ordem pacífica na esfera individual e coletiva.
A díade poder-dever significa que não estamos perante um objetivo que só depende do Estado, implicando também a obrigação individual de zelar por seu adimplemento.
Em primeiro lugar, há a segurança em sentido subjetivo, importando em constante zelo por nossa higidez corpórea e espiritual, garantindo-nos a Constituição a faculdade de exigir das autoridades públicas as medidas necessárias para a preservação dos superiores valores existenciais.
Não é somente pelo voto, como eleitores, que nos cumpre cobrar dos governantes sua obrigação de prestar os serviços essenciais aos indivíduos e à sociedade, sendo-nos lícito, como cidadãos, recorrer à "desobediência civil", como a professora Maria Garcia bem o demonstra no livro dedicado a esse tema fundamental.
O valor da segurança não se reduz, porém, à garantia da paz social mediante órgãos policiais capazes de prevenir a ocorrência de delitos, não permitindo que prevaleça a impunidade, uma das fortes razões determinantes da gigantesca criminalidade reinante no País.
Jornais, rádios e televisões nos dão diariamente notícia de homicídios perpetrados pelos motivos mais insignificantes, com o número crescente de assassinos que não deixam rastro de crimes que são apenas objeto de inconseqüentes registros formais.
Nem mesmo a própria casa representa a mínima proteção, tão poderosas são as forças do bando de delinqüentes, quer em número, quer em armamentos, sendo alarmante constatar que deles participam membros das milícias policiais, bem como de órgãos civis encarregados de salvaguardar a paz pública.
Felizmente, ainda é diminuto o número de tais desvios, em impressionante contraste com a quantidade de soldados vítimas dessa guerra civil, pois de verdadeira guerra se trata a travada entre os delinqüentes e os defensores da ordem. A situação chegou a tal ponto de desagregação que a farda deixou de representar a lei, convertendo-se em alvo para o ataque traiçoeiro dos que delinqüem.
Ora, a natureza bélica a que chegou a delinqüência em todo o território nacional vem alterar o sentido que tradicionalmente se tem atribuído às Forças Armadas, cuja missão essencial, nos termos do artigo 142 da Lei Maior, se destina, sob a autoridade do presidente da República, "à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem".
O que tem prevalecido é o entendimento de que essa destinação diz respeito, essencialmente, à defesa da soberania nacional, cabendo a "segurança pública", conforme o artigo 144, às polícias federais e estaduais.
Verificando-se, no entanto, que a criminalidade generalizada põe em risco todo o ordenamento jurídico-político da Nação, passa-se a apelar para as Forças Amadas para socorrer as deficientes milícias policiais. Parece-me que essa é uma solução cabível, mesmo sem revisão constitucional, desde que, sob a direção do comando soberano das Forças Armadas, se constituam corpos militares complementares, destinados à salvaguarda da "lei e da ordem", consoante o citado artigo 142 da Constituição federal.
Todavia, a falta de segurança não está limitada aos fatos que acabo de narrar, porque o governo federal tem sido omisso no caso cada vez mais apavorante de invasões das propriedades rurais, ainda que produtivas, pelo MST, que há muito tempo deixou de ser uma organização legitimamente empenhada em resolver a questão agrária, para se converter num partido político nacional, sem registro eleitoral, cuja finalidade é subverter a ordem social e jurídica no País.
Como se poderá esperar segurança no campo, se os sistemáticos invasores de terras não só são amavelmente recebidos por autoridades federais, como têm representação no seio de comissões ministeriais convocadas para traçar os rumos de nossa política agrária?
O chefe dessa entidade subversiva não tem ocultado a sua real finalidade, com ameaças de medidas violentas e revolucionárias, sem que o Ministério Público Federal se lembre, em tais circunstâncias, de instaurar os devidos inquéritos públicos.
Nesse estado de coisas, é letra morta o mandamento constitucional segundo o qual "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal", consoante estatui o inciso LIV do artigo 5º da Carta Magna.
A situação chegou a tal ponto que a segurança passou a ser o valor mais urgente, pois sem ela os demais valores não podem ser realizados, nem mesmo aqueles que constituem "invariantes axiológicas", ou seja, os valores básicos, como os da liberdade e da saúde, que o processo histórico converteu em sustentáculos da sociedade civil.
Não há dúvida que estamos passando por uma crise moral generalizada, havendo mesmo quem fale em "crepúsculo de valores", mas nenhum deles chegou à degradação que atingiu a segurança, que deve ser objeto de atenção especial das autoridades estatais em todos os seus níveis, da União aos municípios.
A insegurança é fonte de males individuais e coletivos, o pavor tomando conta de todas as camadas sociais, desde as mais opulentas às mais destituídas de recursos, pois é a vida humana que está radicalmente ameaçada.
O Estado de São Paulo (São Paulo) 14/08/2004