Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso acusam-se, reciprocamente, de "incompetência", fundamentando sua assertiva com a invocação de medidas falhas ou contraditórias. A bem ver, ambos podem ter razão, pois a administração pública é um acervo complexo de atos e providências, que somente pode ser apreciado em conjunto.
A esta altura do mandato de Lula, não creio que se lhe possa negar competência, tendo razão o prezado amigo e confrade Antonio Ermírio de Moraes quando reconhece que ele representou uma "saudável surpresa", ao ter a coragem de abandonar algumas idéias econômico-financeiras, pleiteadas pelo PT na linha de um reformismo populista, para uma série de felizes decisões exigidas pelo desenvolvimento sustentado.
Por outro lado, o êxito que ele teve no Congresso Nacional aprovando projetos de leis básicas, há vários anos em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, tanto na legislação constitucional como na ordinária, constitui pontos positivos de governo, o que explica o aumento de seu prestígio político-eleitoral.
Esse reconhecimento leal, à margem de quaisquer preconceitos partidários ou ideológicos, não nos deve, todavia, levar a incondicionais aplausos, exigindo uma valoração isenta e global.
A palavra competência é polissêmica, abrangendo múltiplas acepções, genéricas umas e particularizadas outras. Em sentido geral, diz Antonio Houaiss que competência significa "aptidão de uma autoridade pública de efetuar determinados atos". Já em sentido estrito, o termo se refere à legitimidade de decisão e de poder conferida a um órgão ou entidade para praticar certos atos.
A exigência de legitimidade insere no vocábulo competência a necessidade do valor de coerência e de não-contradição, de tal modo que as decisões tomadas sejam entre si harmônicas ou complementares, sob pena de comprometê-las do ponto de vista ético, político ou jurídico. É esse valor de coerência intrínseca que não devemos olvidar, ao julgarmos os comportamentos governamentais.
Nessa ordem de idéias, não se pode afirmar que a administração Lula seja isenta de defeitos, tantas são as contradições que a comprometem.
A primeira questão criticável é representada pelo tratamento dado ao Movimento dos Sem-Terra (MST), o qual, a pretexto de defender direitos dos trabalhadores rurais à produção agrícola para sua subsistência, garantindo-lhes acesso ao nosso imenso patrimônio territorial disponível, na realidade constitui um irregular partido político sem registro, à margem da Constituição e das leis.
Os líderes do MST gozam de tantas prerrogativas perante a administração federal que não agem às ocultas, mas proclamam livremente seus planos subversivos contra a política agrária nacional vigente, declarando ostensivamente estarem executando os ideais de Antonio Gramsci, o grande pensador italiano encarcerado pelo regime fascista. Gramsci, considerado erroneamente um social-democrata, jamais negou sua filiação ao Partido Comunista, considerando Lenin seu chefe. Fazendo parte do Comitê Executivo da Internacional Comunista, Gramsci notabilizou-se por dar um novo sentido ao marxismo, sustentando que o operariado não devia valer-se apenas da luta de classes na luta contra o capitalismo, sendo seu primeiro dever assenhorear-se dos valores culturais. A conversão da cultura em técnica de conquista e domínio do poder, eis a poderosa idéia revolucionária que caracteriza a política de Gramsci, dada a sua convicção de que quem domina a cultura domina o Estado. Quem quiser maiores informações sobre o pensamento gramscista pode encontrar subsídios em meu livro O Estado Democrático de Direito e o Conflito das Ideologias.
Pois bem, agitando essa bandeira, o MST dispõe de verdadeira milícia armada de foices, enxadas e armas de fogo, com a qual ocupa fazendas produtivas ou não, assim como prédios oficiais, como meio de impor sua vontade, implantando o terror no campo.
Na linha do culturalismo de Gramsci, o MST mantém escolas de formação política, tanto para adolescentes como para adultos, distribuindo livros e panfletos de caráter revolucionário.
Perante tal panorama subversivo, o governo federal nada faz, prestigiando-o até mesmo com pronunciamentos favoráveis de ministros de Estado. Não podia haver, por conseguinte, maior prova de incompetência política, pois são previsíveis as conseqüências dessas atividades manifestamente inconstitucionais.
Preocupa-me, no atual governo federal, a falta de unidade de comando, com altas autoridades a todo instante se contradizendo sobre problemas básicos, como, por exemplo, no que se refere à política da proteção do meio ambiente, refletindo-se na administração pública todos os conflitos gerados pelas diversas facções ideológicas que compõem o PT.
No meu entender, não há maior sinal de incompetência do que a adoção de preferências partidárias como critério de escolha para exercício de funções de caráter técnico, confundindo-se, assim, o Estado com o partido político dominante.
O Estado de S. Paulo (São Paulo) 15/01/2005