Entre as coisas mais terríveis que acontecem aos muito famosos, está a de que ele ou ela deixa de ser gente. Passa a pertencer a uma espécie à parte das outras pessoas, principalmente se, junto à fama, vem a fortuna.
O famoso não sente as emoções comuns aos demais mortais, não se melindra, não se ofende, não tem problemas pessoais, está sempre disponível e de bom humor, aprecia ter sua vida escarafunchada nos mínimos detalhes, tem sempre de se comportar impecavelmente — e talvez nem precise ir ao banheiro.
Por tudo isso, tratamos Ronaldo com crueldade e insensibilidade, como se ele fosse um rinoceronte psicológico, com um couro tão grosso que resiste até a armas de fogo. Ronaldo é vítima de crueldade e, em muita gente, até um certo prazer mórbido, quando está mal. É tratado com desrespeito e hostilidade por comentaristas esportivos e, mais ainda, pelos torcedores, que se esquecem inteiramente do valor dele na história de nosso futebol.
O herói de tantas jornadas, o que deu alegria a tantos, o que já demonstrou tanto talento e força de caráter através das vicissitudes enfrentadas se torna um vilão, quase um canalha. Basta lembrar a situação gravíssima de seu joelho, não faz tanto tempo assim, em que ele teve uma acabrunhante falsa recuperação e, mais tarde, foi solenemente declarado inutilizado para o futebol. Com grande coragem, determinação e força de vontade, ele desmentiu as cassandras e voltou aos estádios, onde de novo brilhou, para alegria nossa.
Não se trata de ter pena dele, trata-se apenas de um pequeno esforço para compreendê-lo. Quem ouviu os gritos da torcida no jogo contra a Croácia ouviu os mais pesados insultos a ele. Até o presidente da República achou de, bancando o torcedor comum (presidente da República não pode nem brincar de torcedor comum; é, perdão, até uma irresponsabilidade), mencionar a sua “gordura”. Ronaldo reagiu em público com o que me pareceu absoluta propriedade. Mas isso
O Globo (Rio de Janeiro) 17/06/2006