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Vamos dar uma força a Ronaldo

 

Entre as coisas mais terríveis que acontecem aos muito famosos, está a de que ele ou ela deixa de ser gente. Passa a pertencer a uma espécie à parte das outras pessoas, principalmente se, junto à fama, vem a fortuna.


 


O famoso não sente as emoções comuns aos demais mortais, não se melindra, não se ofende, não tem problemas pessoais, está sempre disponível e de bom humor, aprecia ter sua vida escarafunchada nos mínimos detalhes, tem sempre de se comportar impecavelmente — e talvez nem precise ir ao banheiro.


 


Por tudo isso, tratamos Ronaldo com crueldade e insensibilidade, como se ele fosse um rinoceronte psicológico, com um couro tão grosso que resiste até a armas de fogo. Ronaldo é vítima de crueldade e, em muita gente, até um certo prazer mórbido, quando está mal. É tratado com desrespeito e hostilidade por comentaristas esportivos e, mais ainda, pelos torcedores, que se esquecem inteiramente do valor dele na história de nosso futebol.


 


O herói de tantas jornadas, o que deu alegria a tantos, o que já demonstrou tanto talento e força de caráter através das vicissitudes enfrentadas se torna um vilão, quase um canalha. Basta lembrar a situação gravíssima de seu joelho, não faz tanto tempo assim, em que ele teve uma acabrunhante falsa recuperação e, mais tarde, foi solenemente declarado inutilizado para o futebol. Com grande coragem, determinação e força de vontade, ele desmentiu as cassandras e voltou aos estádios, onde de novo brilhou, para alegria nossa.


 


Não se trata de ter pena dele, trata-se apenas de um pequeno esforço para compreendê-lo. Quem ouviu os gritos da torcida no jogo contra a Croácia ouviu os mais pesados insultos a ele. Até o presidente da República achou de, bancando o torcedor comum (presidente da República não pode nem brincar de torcedor comum; é, perdão, até uma irresponsabilidade), mencionar a sua “gordura”. Ronaldo reagiu em público com o que me pareceu absoluta propriedade. Mas isso em público. Quem sabe o que se passa na cabeça desse rapaz, alçado da origem humilde à glória e à fortuna? Quem conhece a sensação que ele tem, ao ver, ouvir e ler tantas aleivosias, ainda mais quando já foi o salvador da Pátria, o melhor jogador do mundo e um dos maiores artilheiros de nossa História, o irresistível Fenômeno? Só ele. E, como já disse antes, nada é mais difícil que superar problemas de cabeça. Ele se sentiu mal, foi levado ao hospital, nada de físico se constatou. Ronaldo é gente, sim e, como gente, sofre com a dureza e a ingratidão que o cercam. Cumpramos, então, o nosso dever de justiça e compreensão. Sim, Ronaldo precisa mostrar jogo. Mas nós precisamos dar-lhe apoio e carinho, pois é o mínimo que podemos fazer pelo atleta extraordinário a quem devemos tanto.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 17/06/2006

O Globo (Rio de Janeiro), 17/06/2006