Fenômeno inédito depois do disparo de Dilma é a desaparição de Serra nos cartazes de candidatos de oposição. Aí estão imagens novinhas, despojadas do nome do presidenciável tucano. Mas esse quadro de abandono das esperanças ao Planalto não se acompanha de subida da onda petista capaz de abalar as duas candidaturas decisivas na composição do poder político após as eleições. Por mais que dobre o apoio a Mercadante, a vantagem final de Alckmin parece garantida, e Anastasia já se antecipa ao candidato petista em Minas. O efeito Aécio parece equilibrar a longo prazo uma hegemonia de Dilma no Planalto.
Toda a prospectiva do poder passa à composição do Ministério, mais, ainda, numa visão tradicional sobre o day after da vitória petista. A dita classe política não se deu conta do quanto esse sucesso é estritamente do "povo de Lula", anônimo no ganho, e cobrador impessoalíssimo do êxito. Não há como imaginar a mera transposição das combinazzioni eleitorais clássicas, em que um PMDB como partido majoritário, a repetir o seu êxito a 3 de outubro, possa aspirar ao loteamento clássico de uma vitória eleitoral clientelista.
As alocações ministeriais não vão a cotas prévias, nem, sobretudo, a um direito sucessório às mesmas pastas de um ao outro governo ganhador no Planalto. Não temos precedentes de como uma nova chefia do Executivo comece, com tanto poder de escolha, permitindo-se o critério da racionalidade e planejamento na outorga das pastas, na boa rima, enfim, pedida pela sustentabilidade do desenvolvimento. E, talvez, a já permitir dimensão de governo até hoje reduzida ao poder federal, frente à dos estados, qual a das regionalizações do comando político, suscitando esfera de ação até hoje adormecida na Carta Magna.
O que está em causa, e cobrará a atenção imediata da presidente, é a maneira pela qual o PAC já ordenou basicamente toda obra pública para a mudança. Mas este impulso ressente-se ainda das prescrições constitucionais, que levaram à ênfase dos Estados no desenvolvimento social. O acesso dos antigos "sem-nada" à educação, à saúde, pelo Bolsa-Família, é só o umbral do que se possa atingir para efetiva convergência dos orçamentos federais, estaduais e municipais. A passagem à nova etapa da mudança reclama o abandono, de vez, de pseudoprioridades, como a decantada reforma política.
Vã é a proposta enquanto não se começa pelo princípio, que é de um novo controle do Estado sobre o poder econômico concentrado do país, sem o que continuarão os lobbies e comandos de bancada e alocação de recursos ditados pelos verdadeiros donos do poder. E calha com o moralismo ingênuo de Marina Silva achar que, antes disso, se pode mudar o sistema e através de uma assembléia constituinte. O desenvolvimento sustentado - e logo - é a resposta para o que se pediria inutilmente às meras mudanças de lei. Dilma o sabe, como o "povo de Lula", frente aos reformismos de todo o sempre, do Brasil que, de vez, saiu do Planalto.
Jornal do Commercio (RJ),3/9/2010