A morte de Guillermo Cabrera Infante, em Londres, na semana passada, após 40 anos de exílio, deveria servir de reflexão sobre as relações dos intelectuais com o regime cubano. Como se sabe à exaustão, há uma tendência de compromisso entre escritores e artistas com o socialismo implantado por Fidel Castro, que logo se tornou comunismo e sobrevive hoje sob a forma, sem dúvida simpática, de castrismo.
Diga-se, a bem da verdade, que essa simpatia nasceu principalmente em face da estupidez de um bloqueio decretado e mantido até agora pelos EUA. Mas não justifica a adesão radical, e até certo ponto histérica, de algumas personalidades das mais carismáticas do nosso tempo.
Cabrera lutou contra a ditadura de Batista ao mesmo lado de Fidel, de Guevara, de Camilo Cienfuentes e de tantos outros que arriscaram a vida pelo ideal da liberdade para um povo explorado e oprimido pela violência e pela corrupção.
Como outros intelectuais de peso, e cito Edmundo Desnoes, autor de "Memória do Subdesenvolvimento", transformado em filme de sucesso mundial, Cabrera Infante afastou-se de Fidel, exilou-se e no exílio permaneceu até a morte. E deve ter sido acusado de agente da CIA, de ter roubado o caixa do partido, de ter se vendido aos 30 dinheiros do capitalismo. Preço que os dissidentes costumam pagar quando se afastam do socialismo em sua versão totalitária.
Fazia parte daquele grupo de intelectuais que inicialmente louvou Fidel e seu regime. Jean-Paul Sartre, Jorge Semprún, Yves Montand, Alain Resnais, Jean-Luc Godard e tantos outros logo se afastaram, mas eram de fora, o apoio dado a Fidel era ideológico e até certo ponto pessoal.
Não foi o caso de Cabrera Infante. Para manter íntegra a sua opção pela liberdade, sem negar as conquistas maciças de Fidel, por exemplo, em saúde e em educação, preferiu a distância, provando as "uvas ácidas da ausência" de qualquer exílio.
Folha de São Paulo (São Paulo) 05/03/2005