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Urgências Nacionais e Reforma Universitária

 

Não sem razão, o governo colocou no seu centro agora o problema da reforma universitária. Nele se entrechocam o idealismo renitente e a fome do agora; a combinação paradoxal entre o indicador, talvez, mais largo da mudança e o que de imediato se requer – até em prazos mínimos – para dar vigência à tarefa. Retomamos, de década em década, o grande propósito. Não existirá, talvez, política pública em que o balanço do que se conquista exponha-se à tentação de um recomeço e do querer fazê-lo cada vez melhor, num coeficiente utópico que se passe como um anel, de mão a mão, entre as gerações.


O projeto largo de reforma do ensino foi visto como um momento-chave, ainda, do primeiro governo Lula. Demorou, quiçá, como nenhum outro, no aprendizado e no molde superdemocrático de sua discussão. Sobrepuseram-se as audiências públicas, o ouvido de todos os grupos interessados, de educadores, estudantes e organizações comunitárias, religiosas e filantrópicas, decididamente dispostas a assumir um feitio de empresa nessa tarefa.


As idas e voltas do projeto sumo deixam ainda a matéria em tempos de repartida no Congresso e já auguram alterações radicais na seqüência das inovações do próprio Executivo que consolidem a visão realista na aceleração dos resultados, confrontando a primeira urgência: a do imediato acesso à universidade. O que importa ao governo petista é ligar a reforma, em nervura crítica, ao projeto de transformação social que levou o PT ao poder. Mantínhamos-nos presos, sob palavra, à discussão da universidade pública brasileira e de uma reforma que ainda partisse desse pólo, para vencer a inércia do que está aí. Parte-se agora, com outros olhos-de-ver, às prioridades e ao que fazer, de imediato.


A primeira premissa é de que maciçamente, hoje, o Brasil da universidade de Lula tem 80% de seu ensino atendidos pela iniciativa privada. É padrão que, no mundo todo, só tem rival na Coréia do Sul e nas Filipinas. E não existem precedentes na história da modernização educacional, de país do nosso porte e do peso das nossas acelerações ou erros, no comandar os horizontes de uma mocidade que, entre os 18 e os 24 anos, implica já quase 30 milhões de brasileiros na busca do ensino, de conhecimento, profissão ou expectativa de mobilidade social fora do status quo. No Brasil, menos de 9% de uma mesma geração chegam à universidade, quando é de 80% essa performance nos Estados Unidos ou em volta de 60% na França, na Inglaterra ou na Itália.


Mais importante, entretanto, na agenda invisível do governo é a massa de candidatos potenciais ao terceiro grau que cursaram toda a escola secundária pública e que não têm condições não só de se candidatar aos preços da escola superior privada, mas, inclusive, de dispor dos recursos mínimos de transporte ou sustento para se permitir o acesso às rotinas do ensino. Hoje, numa população de 4,3 milhões de estudantes capazes, no mesmo ano, de entrar na universidade, um milhão e meio ficam nessas condições objetivas do estudante sem acesso. É dificílimo que, como reiterado no primeiro ano de governo, a expansão da disponibilidade de espaço e professorado na universidade pública possa acolher tal contingente. A medida inovadora se voltaria à experiência do microcrédito, envolvendo a rede bancária privada e a Caixa Econômica como avalista, de modo a ensejar em mensalidades adequadas o curso na rede privada, dentro das condições do orçamento básico do pretendente.


Não se trata mais, por outro lado, de atender no ensino superior às chamadas classes A ou B, mas já aos grupos C, D e E, de rendimentos familiares de sete a três salários mínimos, mas decididos a alocar 25% do que consomem ao sacrifício de todo o grupo em casa para enviar um filho à universidade. A classe C continua fora do mercado do ensino superior, tanto não excede a quatro vezes o salário mínimo de renda familiar, fazendo-a manter a educação como a sexta opção de seus gastos. Mas tal não lhe impediria, nesse montante, de atender à metade das mensalidades médias dos cursos em ciências humanas e sociais, numa primeira etapa da chegada ao terceiro grau. Ou aos cursos seqüenciais e tecnológicos, permitindo, desde logo, a capacitação do conhecimento para um know-how imediato do mercado, no que, hoje, o ministério já reconhece e distingue o elenco nítido e curricularmente definido de oportunidades. Mais do que a discussão da reforma universitária avançada no primeiro mandato, e hoje emperrada no Congresso, o vigor da mudança pelo ensino, no governo Lula, já encontrou suas prioridades reais e assume o ônus de começar a pagar a sua conta.


Jornal do Commercio (RJ) 25/1/2008