O ensino superior está em crise – e das mais sérias da minha longa carreira de educador.
Chegamos com distorções variadas a cerca de 5 milhões de universitários, número que nos deixa atrás de nações próximas, como a Argentina, o Chile e o México. Temos cerca de 17 mil cursos, 67% dos quais destinados a formar para profissões regulamentadas. A vontade oficial de controlar tudo (ou quase tudo) é tamanha que, no recente decreto-ponte do Ministério da Educação, utiliza-se diversas vezes a palavra "catálogo", o que é inusitado em documentos desse gabarito. Catálogo tem características de tempo curto, de retrato efêmero de uma realidade, não pode ser levado a sério.
Pensa-se pouco no conteúdo da educação, sendo comum jovens chegarem ao diploma salvador sem os mínimos conhecimentos básicos, especialmente em História, Literatura, Ciências, sem nos aprofundarmos na tragédia que representa, pelos seus resultados, o desconforto com que é tratada a Língua Portuguesa. Quantos advogados falham primariamente na elaboração de um parecer? Tudo ocorre em função da volúpia da formação profissional de qualquer jeito, quando isso não é mais tolerado no mundo desenvolvido. Defendemos a existência de um bom preparo humanístico e tecnológico, necessariamente nessa ordem, para inserir o país na Sociedade do Conhecimento. Por enquanto, a caça ao diploma, a qualquer preço, empolga a comunidade universitária. Ainda não existe uma percepção bem clara de que as coisas estão mudando, os jovens querem cursos mais curtos, exigem melhor ensino enquanto vêem sua poupança definhar. Preenchemos as vagas dos filhos das classes A e B. Agora, é a vez dos desprovidos de recursos financeiros, característica das classes C e D. São os interessados no ensino superior, mas que não podem pagar mais do que 300 reais de mensalidade.
Com a natural conformação dos tempos, as escolas superiores privadas, que correspondem a 75% do total, sujeitam-se ao fenômeno do mercado. Reduzem os preços e, conseqüentemente, a qualidade do ensino, pois recrutam professores menos qualificados, em geral sem mestrado e doutorado. Caímos em pleno círculo vicioso. O governo exige melhor qualificação dos mestres, para isso tem o respaldo da LDB, mas a realidade é outra. O recrutamento dos professores se faz sem os devidos cuidados, pois não há recursos para pagar adequadamente. Vive-se hoje uma aguda crise financeira, de um lado sacrificando o empenho das escolas oficiais, cansadas dos recursos minguados e de uma interpretação equivocada do que seja o conceito universal de autonomia. De outro lado, a perplexidade das escolas privadas.
O decreto-ponte do MEC não corrige esses pontos, preocupando-se mais com o destino do PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional) e uma discutível divisão interna de atribuições burocráticas, sacrificando as funções do Conselho Nacional de Educação, ora transformado em fórum de discussão dos nossos magnos problemas. Ou seja, virou figura de retórica.
A Gazeta (Vitória - ES) 28/07/2006