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União pela segurança

 

A PEC da Segurança é uma iniciativa importante do governo. Gostei da posição do presidente Lula, que assumiu pela primeira vez enfaticamente o papel do governo central de coordenar as ações nacionais de segurança pública. O sistema de informação Integrada no Brasil inteiro é fundamental para combater o crime organizado, que está cada vez mais nacionalizado. O Rio, por exemplo, virou lugar de proteção de bandidos procurados de outros estados. E nós temos que ter também uma relação nacional de segurança e informação, ou vamos perder cada vez mais territórios para o crime organizado.

Os governadores que são contra a proposta de emenda constitucional (PEC) têm medo de uma ingerência do governo federal nas polícias. É uma visão conspiratória de que Lula está fazendo isso para ter controle das polícias e do país. Não creio que seja isso, acho que afinal caiu a ficha de que a situação é muito ruim. E é possível regulamentar a questão da ingerência, colocando limites; o que não pode é cada estado ficar se defendendo, ou não se defendendo , por conta própria , de um esquema que já é até internacional.

O governo tem condições de montar um esquema de informação em que os estados transfiram e troquem informações com o centro de operações, para um combate mais efetivo. O sistema único de segurança pública, criado quando Raul Jungman era ministro da Segurança Pública no governo Temer, foi muito bem pensado e planejado, para fazer combate ao crime de maneira mais firme e mais ampla. Agora precisamos dar um passo adiante, regulamentando essa PEC. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, colocou novamente o tema em debate, quando ressaltou que o modelo de segurança previsto pela Constituição se alterou diante das novas dinâmicas do crime, e não é mais possível manter a compartimentalização de atribuições entre os diferentes níveis da Federação.

Pela Constituição, a segurança pública é tarefa dos governos estaduais. Quando ministro da Justiça, Flávio Dino começou a colocar em prática a coordenação nacional, fazendo com que Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e polícias locais trabalhassem em conjunto. Agora, Lewandowski se dispõe a aprofundar essa coordenação. O caminho seria colocar o Susp na Constituição, a exemplo do que foi feito na Constituinte com o Sistema Único de Saúde (SUS), e dar a ele um fundo próprio e mais poderes para a União fazer um planejamento nacional de caráter compulsório para os demais órgãos, com o objetivo de fixar diretrizes fundamentais de validade para todo o país.

Os recursos seriam destinados a aparelhar as polícias e a fortalecer os sistemas de inteligência. A Lei do Susp serviria como “ponte” para que o governo federal pudesse coordenar as ações nacionais de segurança pública, sem que os estados perdessem autonomia. É preciso fazer uma limpeza nas polícias, não apenas no Rio, mas na maioria dos estados, obedecendo a regras de caráter nacional. Ações bem-sucedidas em diversos locais, como acontece no Pará, que tem implantado uma política baseada no que já aconteceu no Rio na época das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), ou Goiás, onde o governador Caiado se gaba de ter contido o crime organizado, poderiam ser disseminadas nacionalmente. A imbricação do crime organizado com autoridades políticas locais é um impedimento para que o êxito seja permanente e eficaz. Uma ação desse tipo foi feita há anos com sucesso no Espírito Santo, na primeira administração de Paulo Hartung, em 2003. O crime organizado dominava o estado em seus três Poderes. Houve um trabalho rigoroso de combate à criminalidade, e até hoje o espírito da segurança pública mantém-se, seja qual grupo político dirija o estado. Tudo se resume a uma decisão política das lideranças locais, e também da Presidência da República, de não permitir que milicianos e traficantes lutem por um território que não é deles, mas da população brasileira, que não pode viver refém de bandidos.

O Globo, 03/11/2024