Em março de 1957 foi assinado o Tratado de Roma, que instituiu a Comunidade Econômica Européia. Os seis países fundadores - Bélgica, França, Alemanha, Itália, Luxemburgo e Países Baixos - deram início, naquele momento, ao processo da integração européia.
A integração européia representa o inédito na vida internacional. É uma resposta historicamente distinta de qualquer outra no trato dos três conhecidos problemas inerentes à dinâmica do funcionamento do sistema internacional, no qual paz e guerra se alternam. Com efeito, a Europa que se constituiu a partir do Tratado de Roma logrou: 1) captar e levar adiante o interesse comum; 2) administrar as desigualdades do poder; e 3) mediar e dirimir pacificamente controvérsias e conflitos de valores.
O encaminhamento destes problemas se deu por processos voluntários entre países vizinhos e soberanos que tinham um passado de tensões e guerras. Não foi, assim, uma integração por imposição hegemônica como a seu tempo na Europa cogitaram Carlos Magno, Felipe II, Napoleão e Hitler. Correspondeu ao conjunto de aspirações do europeísmo voltado para promover uma Europa unida, respeitadora de todos os seus Estados, povos e indivíduos.
Foi neste contexto que Mário Soares, ao refletir sobre o cinqüentenário do Tratado de Roma, com a autoridade de quem conduziu a adesão de Portugal à Europa comunitária e é um respeitado líder socialista, observou que a utopia mais concretizada na segunda metade do século 20 não foi o socialismo. É a do ideal de uma Europa em paz e prosperidade.
Os “pais fundadores” do processo europeu - personalidades do calibre de Adenauer, da Alemanha, Schuman e Monnet, da França, De Gaspari, da Itália, Spaak, da Bélgica - souberam dosar idealismo e realismo e construíram a noção de “interesse europeu” articulada ao “interesse nacional”. Por terem vivido os dramas da Europa da primeira metade do século 20, sublinharam o papel do estado de direito e dos direitos humanos na construção européia e, como humanistas de linhagem cristã ou socialista, inspiraram os partidos democrata-cristãos e socialistas da Europa Ocidental que levaram adiante o processo.
Conceberam uma inovação revolucionária que operou numa moldura propícia a incessantes pequenas rupturas. Estas são o fruto de mecanismos de permanentes negociações intergovernamentais instigadoras do abandono de um destino nacional solitário em prol de um destino compartilhado. O que é atualmente a União Européia resulta de dois processos destas incessantes rupturas - o alargamento e o aprofundamento - no âmbito dos quais a associação de múltiplos interesses econômicos e políticos vem edificando um destino comum.
Este destino comum se expressa, como diz Felix Peña, por meio de normas, de redes e de símbolos. Por isso vai além da fusão dos mercados nacionais num mercado único, cabendo lembrar que todos os cidadãos dos Estados membros têm, além da sua cidadania originária, a cidadania da União Européia com seus direitos no espaço comum.
O alargamento promoveu a extensão geográfica por adesão negociada ao projeto comunitário europeu e às exigências do seu acervo. Da Europa dos 6 de 1957 se passou, em 1995, por via de quatro alargamentos (1973, 1981, 1986, 1995), para a dos 15. O término da guerra fria e o fim da bipolaridade levaram às transformações econômicas e políticas do Leste Europeu que ensejaram com sua incorporação a consolidação democrática continental. Daí em 2004, com o quinto alargamento, a Europa dos 25 e, neste ano, a dos 27. Todo alargamento representou a busca de um novo equilíbrio, mas cabe registrar que os últimos, que contemplaram a Europa Oriental, vêm trazendo dificuldades próprias de uma mutação de escala.
O aprofundamento é representativo do contínuo adensamento da integração da Europa Comunitária. Este adensamento no plano institucional trouxe, desde o início, uma transferência de competências dos Estados membros para a Europa Comunitária - hoje inequívoca no pilar da integração econômica e monetária. Em matéria de teoria política, o aprofundamento é uma novidade no clássico capítulo da divisão de poderes e nas técnicas das distribuições de competências concebidas pelo federalismo. A originalidade reside na aceitação de valores comuns; nos poderes postos a serviço destes valores e na autonomia concedida a estes poderes para efetivá-los.
Nesta matéria cabe destacar as funções da Comissão, do Tribunal e, mais recentemente, do Banco Central Europeu. A Comissão é um órgão supranacional incumbido de defender o interesse geral da União Européia, de gerir e executar as políticas comunitárias, dispondo do direito de iniciativas legislativas e da capacidade de representação diplomática. O Tribunal encarrega-se de zelar pela prevalência do direito comunitário no espaço europeu e tem contribuído para a construção européia por meio de uma interpretação teleológica. O Banco Central Europeu, instituído em 31 de junho de 1998, define a política monetária da União Européia, introduziu e administra o euro, a moeda que, em 1º de janeiro de 2002, passou a circular em 12 Estados membros em substituição às moedas nacionais.
É certo que atualmente a União Européia enfrenta dilemas para levar adiante o seu processo e digerir o que já logrou, num mundo que é muito diferente do de 1957. Entretanto, o fato é que a experiência européia na construção da paz e da prosperidade regida pelo Direito é, para falar com Kant, um sinal da possibilidade do progresso humano. Daí a sua dimensão exemplar de alcance geral que transcende a região, pois a Europa Comunitária tem sido, por obra de sua identidade política, também no plano geral, uma força em prol da paz, da diplomacia e do multilateralismo. Por isso pode ser qualificada como um bem público internacional.
O Estado de S. Paulo (SP) 15/4/2007