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Uma vitória do álcool

 

Todas as notícias e comentários sobre o falecimento de Jefferson Péres mencionavam a ética como o aspecto mais importante de sua trajetória. O que é elogioso, mas não deixa de causar certa perplexidade: será tão notável assim que o senador tenha sido um homem ético? Ética na vida pública não é aquilo que os franceses conceituam como "ça va sans dire", algo que deveria primar pela obviedade? À estranheza soma-se uma coincidência: na mesma semana em que morria Jefferson Péres, o plenário do Senado aprovou medida provisória liberando o comércio de bebidas alcoólicas em todas as rodovias urbanas e rurais. Detalhe adicional: o texto aprovado pelos senadores é mais flexível do que aquele enviado pela Câmara. Pela proposta aprovada, os comerciantes estão livres para comercializar bebidas alcoólicas em qualquer lugar; no texto enviado pela Câmara a venda era autorizada apenas nas áreas próximas às rodovias urbanas. A notícia assegura que está mantido o rigor sobre o motorista flagrado bêbado, mas, na mesma noite um telejornal mostrava motoristas de caminhões enchendo a cara numa lanchonete de beira de estrada. Um deles tinha tomado uma garrafa inteira de cachaça: sabe-se lá quantas vidas isto pode custar. Ah, sim, vale a pena lembrar que esta resolução se segue à derrota do projeto de lei, apoiado pelo Ministério da Saúde, limitando a propaganda de bebidas alcoólicas: uma derrota atrás da outra.


A propósito, recebo do ilustre médico gaúcho (meu professor de hematologia na faculdade) Renato Faillace um artigo sobre seu pai, Jandyr Maya Faillace, um dos pioneiros da saúde pública no RS, criador deste notável centro de pesquisas que é o Instituto de Pesquisas Biológicas (atual Lafen) e, junto com Newton Neves da Silva, seu assistente e sucessor, o primeiro a produzir penicilina na América do Sul. Pois há mais de 50 anos, J.Maya Faillace já escrevia sobre acidentes de trânsito causados pela bebida, "um problema emergente de saúde pública".


Na Zero Hora de ontem, Paulo SantAna apresenta-nos algo que desapareceu de nossas estradas: aquelas frases irônicas e não raro sábias que figuravam nos pára-choques dos caminhões. Onde foram parar tais frases? Parece que, com mais álcool, há menos humor, mas uma das frases do SantAna é antológica: "Não beba dirigindo, você pode derrubar a cerveja". O Senado poderia ao menos ter produzido uma frase semelhante.


Dois fantásticos nomes que condicionam destinos. O primeiro é o de um rapaz preso no Galeão portando uma enorme quantidade de droga. Nome dele: José Luís Aromatiz Neto. Para quem cheira, Aromatiz é um nome mais que adequado. O outro é o de um paulista chamado Flondório Monteiro de Oliveira Vagaroso, que, depois de perder a paciência com o trânsito paulistano, vendeu o carro e passou a andar a pé. É melhor ser Vagaroso se exercitando do que se estressando no volante, não é mesmo, Flondório?


Zero Hora (RS) 27/5/2008