Não sei por onde começar o primeiro relatório das novidades aqui da ilha, tão ansiosamente aguardado por vocês.
Encaro com seriedade minhas responsabilidades como correspondente especial e, assim que cheguei, montei meu centro de operações. Levei apenas uma semana para me instalar, tempo considerado muito bom, até porque houve a questão do sinal da conexão com a internet. Antes da viagem, eu tinha me certificado de que disporia de conexão com a internet, indispensável para meus despachos. Assim que me acomodei, porém, o sinal fugiu, ninguém sabia para onde. Segundo Beto Atlântico, que foi me receber no aeroporto, o sistema tomou um choque, ao ser solicitado a funcionar. Uma coisa era ele estar aqui para mostrar às visitas, outra é o funcionamento, uma não tem nada a ver com a outra. Depois de vários dias, conseguiram encontrá-lo e capturá-lo já para lá de Santo Antônio de Jesus e ontem ele foi persuadido a trabalhar. Não está muito entusiasmado com a perspectiva, mas se resignou, depois que eu prometi que usaria os serviços dele no máximo duas horas por dia. Esquema puxado, notadamente para um sinal ainda novo e inexperiente, mas acho que vai dar para ele aguentar.
Já quanto a mim, não tenho tanta certeza. Por mais que eu não queira, parece que a radioatividade vai me pegar de novo. Quase não consigo ir ao Mercado na quarta de manhã, quando iniciei minha busca de notícias. Já dia alto, praticamente sete horas, quem disse que eu queria me levantar da cama? Daqui onde estou para o Mercado é uma caminhada de uns dez minutos e a perspectiva de fazê-lo me deixou não somente inquieto, mas exausto por antecipação.
Felizmente, sou amigo de Beto Atlântico, rico milionário quase tanto quanto Gugu Galo Ruço, que botou um dos veículos de sua frota à minha disposição. Cansa um pouco dizer ao motorista qual o meu destino toda vez que entro no carro, mas venho resistindo na minha postura de não medir sacrifícios no cumprimento do dever.
Ainda na saída, enquanto me preparava psicologicamente para a trabalheira de entrar no carro e viajar para o Mercado, me apareceu Xepa, minha principal fonte quanto a assuntos de pescaria a correlatos. Não sei se vocês se recordam de que Xepa me falou de um amigo seu que, pescando peixe miúdo com uma vara de bambu, fisgou um belo tatu, história aparentemente fantasiosa, mas garantida por Xepa, que nunca teve fama de mentiroso e é um cidadão exemplar. Indaguei se haviam fisgado outro tatu anfíbio na minha ausência, mas ele me disse que não, embora esse mesmo amigo jurasse que, depois do tatu, quase pegou uma galinha de Angola com o mesmíssimo anzol, mas ela foi embora já na flor d'água. Alguma coisa me diz que esse amigo de Xepa vive fisgando tatus regularmente e não confessa por medo do Ibama. Anoto o assunto para uma futura reportagem e o carro parte finalmente para o Mercado, onde já me aguardavam, para surpresa minha, Zecamunista e Toinho Sabacu, que vieram a meu encontro. Estavam ambos aparentando alguma preocupação, sobre a qual logo perguntei.
— É verdade que você veio aqui para trabalhar? — perguntou Zecamunista, assim que concluímos os apertos de mão e abraços. — Eu não quis acreditar, mas tenho de perguntar a você, para ter certeza.
— É, vim para trabalhar, sim.
— Veja se ele está com febre — disse Toinho. — Isso não é normal. A última vez em que ele trabalhou eu lembro muito bem, foi em 58, quando o avô dele pediu a ele para tirar umas fotos aqui da ilha e ele quase desmaiou no fim do dia. Deve ser alguma coisa que ele pegou nessas viagens dele.
— É, deve ser. Mas passa, a gente arranja uma boa rezadeira para ele.
— Mas, Zeca, você não é comunista e materialista? Como é que acredita em rezadeiras? — Comunista, mas não fanático, me respeite. Se tivessem feito um bom descarrego no Kremlin, duvido que essa sem-vergonhice de perestroika e glasnost tivesse colado. Eu mando fazer uma reza dialética em você, duvido que não funcione.
Marquei a rezadeira, conversei mais um pouco e fui completar a visita inicial no Bar de Espanha. Logo ao chegar, notei o magnífico telão agora instalado e parabenizei Espanha.
— É, eu comprei eche negóchio — me disse ele. — Fiado, a chente compra até capim.
— Mas isso deve aumentar a freguesia, não é, não? — Aumenta nada. Chó quem achiste é Tainha e achim mesmo chomente em dia de futebol.
— Tainha? Quem é Tainha? — É um cachorro que deu para aparecher aqui. O pechoal diz que ele é comentarista de futebol.
— E cadê esse cachorro, Espanha? Deve ser muito interessante.
— Ah, não chei, ele só apareche mesmo para ver o futebol.
Claro, eu não podia deixar esse furo de reportagem escapar. Uma entrevista com esse cachorro seria coisa de parar as rotativas e até sair no "Fantástico". Mas não achei o cachorro, só achei Xepa. Bem, se Xepa não soubesse do paradeiro do cachorro, ninguém mais saberia. Tive, contudo, uma decepção.
— Ah, mentiram para você — me disse Xepa. — O cachorro não comenta nada, ele só late na hora em que o Bahia faz um gol e, se o Bahia perder, fica de cabeça quente e morde quem curte com a cara dele, é um torcedor normal.
Esse pessoal exagera muito.
O Globo, 12/7/2009