O plano de segurança pública anunciado pelo Ministério da Justiça — Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas — aparentemente não é viável se não houver por trás uma estrutura nacional que o viabilize. Especialistas identificam nele os defeitos de um programa feito às pressas, para responder a uma situação de emergência que atinge principalmente o Rio de Janeiro e a Bahia, mas não apenas esses dois estados.
O Ministério da Justiça deveria voltar a ser separado da segurança pública, ainda mais neste momento em que a crise é nacional, como comprovam os fatos. Se o ministro Flávio Dino, responsável pela não separação dos ministérios no governo Lula, for nomeado para o Supremo Tribunal Federal (STF), pode ser que o presidente se incline a aprofundar a reforma ministerial, não para acomodar grupos políticos, mas para implementar um programa de segurança pública que há muito se faz necessário.
No primeiro governo Lula, houve a criação de uma Secretaria Nacional de Segurança Pública ligada diretamente ao gabinete do presidente, com assento no Palácio do Planalto. O que parecia um gesto corajoso em 2003, devido à urgência do problema já àquela época, acabou inócuo devido a desentendimentos políticos entre o secretário Luiz Eduardo Soares e o então todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, que chegou a dizer sonhar ser o czar antidrogas, cargo que nunca saiu da sua imaginação.
O Ministério da Segurança Pública foi criado no governo Temer, tendo à frente o ex-ministro da Defesa Raul Jungmann. Sem malabarismos e com trabalho de perspectiva de longo prazo, o ministério não teve tempo suficiente para estabelecer programas estruturais, embora tenha conseguido alguns avanços no estabelecimento de atuações conjuntas das forças de segurança. No governo Bolsonaro, a pasta de Segurança Pública foi extinta, unificada com o Ministério da Justiça, onde permanece até hoje.
Recriar o Ministério da Segurança Pública parece um passo importante para viabilizar o plano lançado ontem, que dá a impressão de improvisado, mas aponta um caminho para o combate ao crime organizado. A situação da segurança pública no Rio é muito grave, há muito tempo. Houve um período, no governo de Sérgio Cabral, com as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), em que houve certo controle, mas depois o próprio governo se perdeu na tentativa de usá-las como instrumento eleitoral e ficou desmoralizado, também pela corrupção em diversos setores.
A situação é ruim no país todo. Vemos na Bahia uma sequência de mortes em embates da polícia com tráfico e milícia. A polícia baiana está matando mais que a do Rio. Precisamos também de uma política específica, nas fronteiras, para controlar a entrada de armas. Chega a ser quase inacreditável o que os bandidos têm de armamentos ultramodernos, de uso restrito. Há anos a bandidagem vem sendo municiada por esse contrabando, a que o governo nunca deu a atenção devida.
A solução não é botar Polícia Federal nem Exército nas ruas, como o governo queria fazer no Rio, mas sim elaborar uma política estruturada e permanente. Se não fizer algo específico, muito aprofundado, o governo ficará enxugando gelo. Por nossas fronteiras passa contrabando o tempo todo. O pior deles é o de armas, que faz todas as facções serem às vezes mais bem armadas do que as polícias.
Na Colômbia, no auge da crise, havia lugares em que não se podia andar, porque as estradas eram controladas por traficantes, que cobravam pedágio. O país só conseguiu conter sua crise de violência com a ajuda direta dos Estados Unidos, dinheiro e gente. Não podemos chegar a esse ponto. Temos de tomar conta do nosso território, com politicas públicas severas, organizadas. Como se pode aceitar que haja lugares onde a polícia não pode ir, no Rio e noutros estados brasileiros?