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Uma Guinada na Educação

 

Em seu discurso de posse no Congresso Nacional, a presidente Dilma Rousseff afirmou categoricamente que "só existirá ensino de qualidade se o professor e a professora forem tratados como as verdadeiras autoridades da educação, com formação continuada, remuneração adequada e sólido compromisso com a educação das crianças e jovens". Independente do que venha a realizar o governo Dilma, não é mal saber que a representante máxima da nação considere o professor em seu devido lugar, na qualidade de   protagonista das mudanças que se esperam na educação,  quinze dias depois do  resultado inquietante  do Pisa (programa internacional da avaliação de alunos), onde o Brasil aparece em 53º lugar no ranking de 65 países.

Espera-se um pacto nacional em torno da educação. E que se traduza com a presença afirmativa das diversas esferas de governo voltadas ao aporte de recursos, ao redesenho de um piso salarial digno, dentro de um plano de carreira consistente. Aqui termina a tarefa do estado e começa a esfera não tutelável de programas e conteúdos, processos de capacitação e aperfeiçoamento dos educadores.

O essencial é que o magistério não seja terceirizado pela miopia  tecnocrática.  Se antes o professor foi quase refém da política local, hoje tende a ser visto pelos gestores como um apêndice da administração, braço vagaroso das secretarias, reserva técnica,  lotado na área de recursos humanos, para bem distingui-lo dos recursos  de data-show, navegação on-line e do fascínio de outras mídias, reverenciadas em si mesmas  como se fossem o Messias da nova formação.  Trata-se de velha postura, ingênua e arrogante, dos que apostam exclusivamente nos meios técnicos, como se nas infovias tudo corresse melhor, produzindo estímulos contra a monotonia das aulas, diante de um mundo novo, hipertextual, cheio de atrações, de que a escola conseguiria, quando muito, traduzir sua imagem vivaz apenas em preto e branco. E sem legendas. O professor seria o relojoeiro do processo, última parte de uma engrenagem emperrada.

De acordo com esse modelo, o gestor iluminado é a causa eficaz da otimização do ensino, cabendo aos professores o papel de estação repetidora – o conteúdo poroso, em segundo plano.  A aula seria regida por um maestro de dinâmica de grupo, um simples condutor de pautas irrealizáveis. Nesse quadro deplorável, a ética deverá abrir espaço para uma práxis, de rasa superfície, do politicamente correto, cada qual assumindo o vocabulário medíocre, o jargão da boa etiqueta ideológica e burocrática. 

E, contudo, os livros de Anísio Teixeira e Paulo Freire – que não perderam a centelha da urgência com que foram escritos – insistem na delicadeza do diálogo e na cumplicidade intelectual e afetiva  das partes integrantes da escola. Se quisermos avançar no debate, será preciso voltar àquelas páginas inaugurais, onde tudo repousa na abertura para o outro.

Quando secretarias e ministérios passarem da  escola  “objeto da tecnocracia”,  para a escola “agente de mudança”,  os políticos terão de ouvir forçosamente os professores, retomando um diálogo interrompido há décadas, vilipendiado, no mau uso dos recursos públicos,  na propaganda lastimável, na  constituição de metas que arrasaram a formação e a estima dos professores. Há de se buscar uma educação responsável, como prática da invenção e da liberdade.

Esperamos do Brasil uma guinada nesse processo e que os professores apareçam como protagonistas, segundo o discurso pronunciado no Congresso Nacional. Mas é importante lembrar que o professor não aparece como ungido, profeta da transformação, depositário exclusivo de esperança. O professor responderá como trâmite do diálogo, meio sensível da alteridade. Fundamento da democracia, veículo de promoção dos sonhos e projetos das crianças e dos jovens.

O Globo, 12/01/2011