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Uma encrenca carioca

 

As más notícias não cessam de perseguir o Rio depois da Olimpíada. Já não se fala nem da violência urbana, velha rotina que tende a aumentar com a saída do governo de José Mariano Beltrame, uma esperança perdida. Além disso, antes mesmo de terminados os Jogos, o governador em exercício Francisco Dornelles decretou “estado de calamidade pública”, diante da iminência de “total colapso na segurança pública, na saúde, na educação, na mobilidade e na gestão ambiental”. O motivo alegado foi a queda da arrecadação do ICMS e dos royalties do petróleo. Os efeitos dessa providência continuam a aparecer nas primeiras páginas dos jornais. Ontem, soube-se que o projeto de orçamento do governo estadual para 2017 prevê um rombo de R$ 15,3 bilhões. E que 26 empreiteiras culpam a prefeitura pela paralisação de obras por suposta dívida de R$ 700 milhões.

O pior é que as perspectivas para a cidade não são animadoras. A cada dia surgem revelações de deslizes de um e outro candidato à sucessão de Eduardo Paes. A acusação mais recente é a de que Marcelo Freixo nomeou sua ex-mulher no gabinete do partido na Câmara dos Vereadores; e Marcelo Crivella teria feito coisa parecida no Senado com a mãe de uma assessora. Para acirrar os ânimos e baixar o nível, tem aumentado a troca de ofensas pessoais que, além de confundir os eleitores, mostra as fragilidades de ambos. No quesito xingamento, o pastor está ganhando a disputa, ao exibir seu imbatível repertório verbal. Ao lado dos termos com que premiara o adversário — “não vou dizer que você é safado, canalha, vagabundo, o povo vai dizer isso nas urnas” — ele guardou alguns como “patifes”, “patetas” e também “vagabundos” para os jornalistas que desmascararam seus malfeitos do passado.

Com a autoridade de quem passou pela política moralmente incólume, Fernando Gabeira fez uma primorosa análise do impasse em que se encontra o eleitor carioca: “Entre a cruz e a espada”, ou seja, entre um fundamentalismo religioso e outro político. No primeiro caso, ele se refere ao livro em que o autor demoniza religiões que não a sua; e no segundo, ele lembra dois episódios emblemáticos: o ataque ao Prêmio Nobel da Paz, Shimon Peres, chamado no site do PSOL de “genocida”, e a queima da bandeira de Israel por um dirigente do partido de Freixo. 

Por isso, ele se dá o direito de afirmar, e eu concordo: “Assim como a suspeita de obscurantismo religioso é razoável no contexto de Crivella, a do obscurantismo político também é razoável no da extrema-esquerda”. 

Como é que o carioca, que se acha tão esperto, foi se meter numa encrenca dessas?

O Globo, 26/10/2016