De volta da China e Guadalajara, o presidente vive um trimestre crítico para renovar o pacto de confiança com o Brasil que continua a esperar. É o que permite o desemperro, enfim, do número da esperança grossa, como é agora o da expansão firme do PIB brasileiro. Começa um ganho de futuro, de vez, como o fruto da estabilização financeira na arrumação certa da casa, para a diferença do Governo Lula. As Cassandras já vieram a seu tempo, para denunciar a traição imaginada à pureza socialista num universo, hoje, da orfandade utópica. Ou, sobretudo, da dureza do exílio da alternativa, tanto a hegemonia americana nos deixou a anos luz da velha dominação; das “guerras frias”, das chances do velhíssimo terceiro mundo.
O que se poderá esperar de um horizonte em que a desproporção do poder americano, e o peso estrito e interno de sua opinião pública, venha permitir um segundo governo Bush? Mas, de toda forma, ganhando Kerry, se desaparece o fantasma do fundamentalismo ocidental, não muda de muito o nível de coexistência desigual em que nos equilibramos no sistema cada vez mais de mão única. Uma decolagem lenta como a que Lula enfrentou, a duras penas, é também a da garantia a largo prazo deste primeiro desponte seguro agora dos percentuais suados do nosso PIB - na promessa honesta deste aumento de 1.7% - em expansão. E, sobretudo, e a se imaginar para um segundo tempo de Lula para armar-se o País para os novos desamparos - aproveite-nos, ou não, a China - em que depararemos os donos sem retoque da globalização.
A morte da alternativa nos quadros inéditos da hegemonia internacional nos impede de falar, pomposamente, de modelos. Mas só nos convoca à mais determinada vontade política, a tirar partido dos trunfos que nos restam diante do impasse, de sermos um país continental, em que só 19% de sua população participam do dinamismo de uma economia de mercado. A expectativa, lá fora, é a de que possamos, nos prazos certos, infletir a nossa dominante econômica para esse desenvolvimento interno, para a indução certa de uma distribuição de renda sem os delírios autárquicos, de que já nos libera agora o exemplo da China. Mas chegará a tempo a renovação do pacto de paciência com o Brasil de fundo que ainda espera? E poderão as próximas eleições municipais deixar de ser um plebiscito quanto à reeleição de 2006?
Um país maciçamente urbano tem como variável crítica da esperança de melhoria na franja das megalópoles, a dos bolsões de destituídos. É a área que dá o tom do voto do país da marginalidade no esperar ainda, ou não, pelo deslanche objetivo do “a que veio” o governo da credibilidade radicalmente distinta. O apoio pessoal ao presidente continua em 30% superior ao do ministério. O efeito de sideração, atravessando as municipais, multiplica-se, aos primeiros sinais de mudança.
O prognóstico continua majoritário para Lula no eixo das grandes cidades já sob o comando do partido. Mas os impactos sobre o imaginário são drásticos, tanto venha Marta a perder no palco-chave de São Paulo. Um programa do Ministério das Cidades responde, após a demanda da fome, pela sede de emprego, que se torna a jugular do futuro do Planalto. Comanda a renovação da espera a massa de trabalho que venham a recrutar o saneamento, a moradia, as estradas num país essencialmente de cidades e onde o eixo da mudança se concentra em dez megalópoles emperradas pelo nível subhumano de suas periferias. De toda forma, “Lula lá”, em 2006, não precisa, necessariamente, nos próximos meses, ser “Lula já” nas municipais.
Jornal do Commercio (RJ) 25/6/2004