Na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Rio, é possível encontrar originais de Coelho Neto, como o autógrafo rimado de Pastoral, em que afirma: “Sombra do que foi grande, especto d’um fastígio/ Em que perdeu o esplendor e perdeu o prestígio... Como é doce viver quando o campo floresce/ Toda a mágua se esvai, a mesma dor se esquece.”
Foi um autor prolífico, que nasceu em Caxias (Maranhão), mas viveu a maior parte da existência no Rio de Janeiro, então capital do país. Teve boa formação humanística, apreendida nos colégios que frequentou: São Bento e Pedro II. Sem ter formação em nível superior, apesar das tentativas em Direito, era assíduo nas rodas literárias. Começaram a aparecer seus contos, poesias, crônicas, romances e peças teatrais, produção estimulada pelas aulas dadas no Colégio Pedro II, do qual se tornou docente.
Com uma grande colaboração na imprensa, credita-se a Coelho Neto nada menos de 112 obras publicadas e 50 peças teatrais, algumas traduzidas para numerosos idiomas, o que nos deixa a sensação de que os modernistas exageraram quando criticaram ferozmente o seu estilo, acusado de “passadista” ou comprometido com o helenismo. Membro da Academia Brasileira de Letras, foi seu presidente, e com o tempo ocupou um lugar considerado “legítimo” por Afrânio Coutinho, no panorama da literatura brasileira.
Ficaram famosos os livros de contos (Sertão, Treva e Banzo), os romances (Turbilhão, Miragem e Inverno em flor), as memórias romanceadas (A capital federal, A conquista, Fogo fátuo e Mano), e as peças teatrais (Neve ao sol, A muralha, Quebranto e O dinheiro), entre outras. O escritor Otávio de Faria fez a defesa do cunho bem brasileiro dos trabalhos de Coelho Neto, considerando-o no “Jornal de Letras” (primeira fase) um digno representante da ficção nacional.
Ficou evidente, assim, que os modernistas, com raras exceções, cometeram diversas injustiças. A posteridade, com algum exagero, resumiu o movimento como sendo resultado de “uma rapaziada” ou, como queria Rodrigo de Melo Franco, “uma patacoada de meninos ricos”. Josué Montello, conterrâneo de Coelho Neto, foi além: “Nesse latifundiário da palavra, há um narrador e um mestre, em cujo estilo a língua portuguesa incontestavelmente se enriquece, na graça de novas melodias.” Foi considerado por Machado de Assis como “um dos nossos primeiros escritores”, logo se engajando no movimento abolicionista e republicano, o que não o livrou de uma perseguição por parte do governo Floriano.
Coelho Neto gostava de abusar de termos raros, merecendo de Guimarães Rosa a classificação de “amoroso pastor da turbamulta das palavras”. A imaginação era fértil e indisciplinada. No seu acervo, contabiliza-se em 40 anos cerca de oito mil crônicas, de início fugindo do cotidiano (o que lhe valeu críticas contundentes), mas aos poucos foi dominando o estilo, como se pode verificar até mesmo na exaltação de amigos, o maior dos quais, Rui Barbosa. Há críticas à sociedade da época, mas também referências competentes às conquistas da ciência, as quais não escaparam da sua argúcia.
Jornal do Commercio, 19/2/2010