Não é de hoje a preocupação nacional com o destino do ensino médio. O Brasil costuma dar saltos (às vezes no escuro) quando se trata do que se chamou ensino secundário, depois segundo grau e hoje é o ensino médio. Não foi à toa que Anísio Teixeira, há pelo menos 40 anos, batizou de órfão o ensino médio. É preciso dar-lhe um tapa de modernidade.
Seria forte demais afirmar que uma pretensa maldição pode ter infelicitado o nível intermediário. No início do século passado, por volta de 1905, proclamava-se que o ensino técnico-profissional seria destinado “aos desvalidos”; na Constituição outorgada de 1937, a preferência era para “os menos favorecidos”. Uma usina de preconceitos.
Após a Lei de Diretrizes e Bases (lei nº 9.394/96), quando parecia ter-se encontrado um caminho seguro, o decreto presidencial 2.208/97, confuso e elaborado sem consulta às bases, nem mesmo ao Conselho Nacional de Educação, trouxe mais lenha à fogueira. Embora alguns educadores tenham gostado de um ou outro ponto, a verdade é que esse improvisado instrumento legal conseguiu um feito extraordinário: acabou com o nível de excelência que caracterizava a escola técnica federal. Desmontou um trabalho de muitos anos, trocado por nada. Repetiu-se o fenômeno que ocorreu com as saudosas escolas normais, na lei anterior de 1971. Nossas autoridades, em diferentes épocas, demonstraram incrível talento para acabar com o que dava certo.
Hoje, a educação média não tem personalidade. Nem como corredor de acesso ao ensino superior (ação propedêutica), muito menos como formadora de mão-de-obra altamente qualificada. Consideremos as exceções de sempre, entre as quais é de justiça destacar os milhões de jovens treinados de forma competente pelo Sistema S, especialmente o Senac e o Senai.
De cada 100 alunos que concluem a oitava série do ensino fundamental, somente 40% alcançam a etapa seguinte, que sofre com o vergonhoso déficit de 235 mil professores. De que forma poderiam os estados colaborar para a superação dessa brutal dificuldade - que pode muito bem explicar, em parte, o aumento da violência urbana - se os seus recursos são minguados? Dar uma bolsa federal de R$ 250 aos estudantes interessados, na faixa dos 16 aos 19 anos, como quer o ministro Cristovam Buarque, será suficiente para superar a demanda crescente? Ele precisa é de mais recursos, sendo amplamente justificável o seu “choro” público. Se for bem-sucedido, aí, sim, poder-se-ia pensar no ensino médio obrigatório, integrado, com um pormenor: as novas matrículas cresceram de forma impressionante, nos últimos anos. Só em 2002 o incremento foi de 400 mil. É necessário, antes de medidas heróicas, pensar nos professores habilitados, livros didáticos à altura dos tempos modernos, laboratórios e instalações compatíveis. Tudo isso custa dinheiro. E vai sair de que fonte misteriosa?
Participamos do Seminário Nacional de Educação Profissional promovido pelo MEC, em Brasília. Discursos e discussões atraentes, como a abertura feita pelo professor Carlos Lessa, presidente do BNDES, defendendo a tese de que o princípio é melhorar a qualidade do ensino fundamental, para que o aluno prossiga devidamente instrumentalizado.
Se o MEC está diante do desafio de uma nova política educacional, retomando o diálogo com a sociedade, que se pense na existência de novas profissões (novíssimas) e também no que há de inovação nas cadeias produtivas.
Registre-se o bom exemplo da Universidade Federal de Santa Maria (RS), com a implantação dos seus cursos pós-médios. No encontro, que reuniu 500 educadores, o ministro da Educação fez o desafio para que se trabalhe com ousadia, completando: “O desenvolvimento é conseqüência da educação, e não o contrário.”
Em certos momentos, surgiram comentários até curiosos, como o da líder sindical que acusou a LDB de ser ruim porque foi feita por “intelectuais”. Depois, pediu que se considerasse a diversidade nacional. Aí, com razão.
Questionou-se muito se a organização curricular da educação profissional deve ser baseada em disciplinas ou competências, resguardando os princípios de autonomia e flexibilidade. Entendida a competência como a capacidade de resolver problemas práticos, há uma grande simpatia pela sua adoção. As disciplinas estariam engessando o conhecimento, mas é claro que as duas formas poderiam ser integradas, levando-se em conta a enorme dificuldade na leitura e compreensão dos nossos estudantes. Mas aí é uma outra história.
O Globo (Rio de Janeiro - RJ) em 22/07/2003