O Brasil está sendo passado a limpo, mas isso de fato só acontecerá quando Eduardo Cunha, o ‘gênio do mal’, for punido por ser também o mais notório ficha-suja do país.
Muitos, como eu, ainda estão curando a ressaca do último domingo, não por causa dos votos, mas pelos discursos que em geral acompanhavam o “sim” e o “não”, compondo o retrato falado do Brasil, ou de como seus representantes na Câmara pensam e se expressam verbalmente. A falta de educação formal do país já foi encarnada pelos jogadores de futebol de outros tempos, que antes ou depois de uma partida tropeçavam na gramática para agradecer a Deus, à mulher, à mãe ou aos filhos, mais ou menos como aconteceu no julgamento do impeachment da presidente Dilma. A diferença é que agora não era apenas uma questão de forma, mas igualmente de conteúdo. Não agrediram apenas a língua, mas também os bons modos, a civilidade e a ética. Houve até quem citasse como exemplo moral o marido, prefeito de Montes Claros — que, no dia seguinte, estaria sendo preso por corrupção, estelionato e falsidade ideológica.
Entre as contradições de domingo houve uma nada folclórica nem engraçada; ao contrário, chocante: a homenagem que o deputado Jair Bolsonaro prestou à memória do coronel Brilhante Ustra, o primeiro agente da ditadura militar a ser reconhecido como torturador pela Justiça brasileira. Apesar da apologia a um crime hediondo, como a tortura é considerada oficialmente, o autor, em vez de ser advertido, foi aplaudido por muitos de seus pares. A única hostilidade que sofreu foi uma cusparada do seu colega Jean Wyllys, chamado de viado por esse notório homofóbico, líder do obscurantismo no Congresso. Tudo muito natural numa casa em que seu presidente foi qualificado, diante das câmeras de TV, de “corrupto”, “gangster” e “ladrão”, entre outros xingamentos menores. No lugar dessas classificações, porém, talvez tivesse sido melhor para os telespectadores saber objetivamente que quem comandava o processo de impedimento da presidente da República por crime de responsabilidade é réu no Supremo Tribunal Federal e está sendo processado no Conselho de Ética da própria Câmara por ter mentido sobre suas milionárias contas não declaradas no exterior.
Por incrível que pareça, há peemedebistas trabalhando para que, como gratidão ao empenho dele em conseguir votos pró-impeachment, haja um acordo para anistiá-lo, livrando-o da cassação. O Brasil está sendo passado a limpo, mas isso de fato só acontecerá inteiramente quando Eduardo Cunha, o hábil manobrista, o minucioso conhecedor dos desvãos da Câmara, o imperturbável, o “gênio do mal” for punido por ser também o mais notório ficha-suja do país.