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Um PT nem cínico nem descrente

 

O opróbrio dos últimos dias com o incidente Severino não leva a tragédia da corrupção apenas à farsa, mas ao grotesco. O sair-se disso tudo está cada vez mais pedindo o desemperro do denuncismo moralista, para definir-se a verdadeira perspectiva da ''ética na política'', que reclama a reemergência do PT no futuro político do país.


Na continuação do ''Plantão da Crise'' - série de quatro seminários promovidos conjuntamente pela Universidade Candido Mendes, Iuperj, Centro Alceu Amoroso Lima para a Liberdade e JB -, no teatro lotado da universidade, na Praça XV, deparamos retratos nítidos de como a população universitária e uma classe média mobilizadas vêem o passo adiante do regime. Só se reforça a convicção de que o presidente podia desconhecer a ''operação Delúbio'', ao deixar o correntio da ação de governo entregue à Casa Civil. Cinqüenta e sete por cento das respostas, nesse sentido, reforçam a descrença no envolvimento de Lula. Prospera a noção de que o presidente se comportou em consonância ao feitio que deu ao seu mandato de chefe de Estado e não de responsável pelo dia-a-dia do Executivo.


Tal não impede, entretanto - e com efeitos a largo prazo à reconsolidação da imagem política do governo -, que a desconfiança com o PT em geral se estenda ao abalo de Lula, como vêem 60% dos entrevistados. Mas o essencial é que a vaga do denuncismo moralista parece ter chegado a seu fim. Por mais que existam corruptos no PT, a consciência de 70% da assistência do ''Plantão'' é de que o partido deve se manter fiel à expectativa da mudança de fundo e que esta mudança se polariza em Lula. Noutras palavras, a lógica profunda de mudança não se vê contaminada pelo tsunami do escândalo e augura a retomada do caminho.


É nítida também uma nova visão identitária a se reclamar do partido, que vá à frente na sua tarefa histórica. Não se a quer dominada por uma Realpolitik a qualquer preço. Responderam os entrevistados pelo ''Plantão'', esmagadoramente, que não é possível ao PT enfrentar a tarefa com Dirceu dentro da chapa, mesmo que o preço seja de, teoricamente, evitar-se o esfacelamento do partido. Um sentimento mais fundo mostra também que, mesmo sem o moralismo, a idéia recuperadora da legenda de Lula não abre mão de um expurgo. E por aí se aparta da última perspectiva conciliatória da candidatura Berzoini, de reduzir a um mínimo de baixas o corpo político a sair da eleição de 18 de setembro.


Refuga-se, por 91% dos inquiridos, a idéia de que a refundação passe por um perdão dos responsáveis pela atual crise, ou que o partido ceda à idéia de uma repartida, pelas expiações morais, tão-só, mantendo a integridade dos quadros de hoje. A primeira visão reducionista - assumida por Tarso Genro com toda a coragem -, do ''cortar na carne'', trocada depois, com o sacrifício de sua própria e corajosa liderança, pela aceitação de Dirceu na chapa, parece comprometer o denominador mínimo em que se reconheça o mesmo partido e se o desemperre da crise da abominação continuada.


Sobretudo, entretanto, o que se torna muito claro pelo ''Plantão'' é a defesa da diferença básica e íntegra da legenda. Admite-se que nos entrechoques do último dia 18 podem, de fato, ter surgido dissidências inconciliáveis. Mas elas não se vão espalhar, irreconhecíveis, entre muitas legendas, na dispersão final do recado de Lula. Não haverá partidos análogos ou semelhantes em que se possa aceitar pelo menos um primeiro companheirismo de viagem para a alternativa ao statu quo brasileiro. É o que equivale a dizer que os petistas não reconhecem uma esquerda viável fora do tronco político que se vê como exclusivo fiel da balança de um futuro.


Só 25%, no caso de ruptura, contemplam passar ao PSOL, 1,5% ao PPS, 5% ao PCdoB. A larguíssima maioria, se cisão houver, não dispersará a legenda, mas, sim, em 60% dos inquiridos, vai à verdadeira refundação, sinônimo da sua identidade original, conspurcada pela Realpolitik. Não há, pois, cinismo nem descrença, nem abandono para os golpeados pela crise, mas imperativo de só reforçar o compromisso político e a solidariedade imediata de sua militância. Curiosamente, ainda, essa impensabilidade de um esfacelamento levou a polarizações finais sobre o embate eleitoral, ou pondo na última queda-de-braço candidatos da autenticidade contra os do mesmo partido, na travessia da crise de julho.


Vamos, pois, a um jogo-limite de confrontos que, nesse cenário, não prejudicará as massas críticas em que se vêem como atores dominantes da esquerda brasileira. Um Plínio de Arruda Sampaio, nesse limite, fará da alternativa socialista algo distinto de um partido nanico. Quem sabe, até, para transformar a Realpolitik que se escoima na Convenção no empenho, para a própria sobrevivência, de redefinir o a-que-veio o partido dos desmunidos. Ou onde está o seu socialismo de raiz.




Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 21/09/2005

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 21/09/2005