Estranhamente, as ditaduras costumam ser impostas no primeiro momento, no calor do próprio golpe que lhes dá origem. Contudo, no caso brasileiro, a ditadura foi lenta e gradual: em 1964, diversos segmentos do Estado de Direito ainda continuaram, como a liberdade de imprensa, o instituto universal do habeas corpus. Em 1965, a faixa liberal diminuiu sensivelmente com a edição do AI-2, mas ainda assim continuavam flutuando alguns pedaços esparsos de legalidade no maremoto do arbítrio. Com o AI-5, em 1968, não sobrou nada do Estado de Direito.
Governo e sistema jogaram a sociedade no poço sem fundo da força. Até então, diversos escalões haviam tentado uma reação contra o poder assim instaurado. Intelectuais, estudantes e alguns setores do operariado procuraram, um pouco desordenadamente, esboçar a resistência.
Mas à medida que tal resistência ganhava contornos mais nítidos, como em 1965, por ocasião da vitória eleitoral das oposições no Rio e em Minas, ou em 1968, com as manifestações estudantis que forçavam a abertura de um espaço que fizesse a sociedade respirar, o governo despejava o seu instrumental cada vez mais truculento. E a partir de 1968 a alternativa que restou aos que tentavam a reação era o silêncio ou a luta armada.
Até que ponto o silêncio seria omissão ou adesão?
Somente os povos oprimidos passam por esse drama suplementar: o de procurar explicação para esses tempos de dor, de dúvida, de vergonhosa miséria individual, de miserável vergonha coletiva. Em todo caso, cada qual fez o que pôde, à sua maneira, dentro de suas limitações de temperamento e conveniência. A resistência rachara em filigranas táticas: a luta armada no campo ou na cidade? Entre o zero e um ponto infinito abriu-se o leque das opções para cada um.