Sempre que uma crise política parece insolúvel no Brasil, surge a proposta de adotar o parlamentarismo e, mais recentemente, o semipresidencialismo, projetos que retiram do presidente poderes que seriam compartilhados, em maior ou menor grau, com o Congresso.
Para que João Goulart pudesse assumir a Presidência da República, seu direito por ter sido eleito vice-presidente na chapa do renunciante presidente Jânio Quadros, foi preciso criar às pressas um regime parlamentarista, rejeitado anos depois pelas urnas plebiscitárias, que majoritariamente aprovaram a volta do presidencialismo.
Com a fraqueza institucional do governo Temer, e, hoje, de Bolsonaro, o Congresso vem ganhando força numa espécie de “parlamentarismo branco”, que dá poderes crescentes à Câmara e ao Senado. Michel Temer convivia bem com essa situação, que conhecia de perto por ter sido presidente da Câmara por duas vezes.
Bolsonaro entregou-se ao Centrão por absoluta necessidade de sobrevivência política, mas procura a todo momento reforçar o poder presidencial, que sente sabotado não apenas pelo Congresso, mas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelos órgãos de fiscalização e controle, que tenta aparelhar com seus adeptos.
Mais uma vez, diante do quadro político-partidário instável, surge a proposta de um semipresidencialismo, desta vez pelo próprio ex-presidente Temer num debate acadêmico público. No seu governo, houve uma negociação bastante avançada para a aprovação de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que estabelecia o semipresidencialismo como forma de governo no país.
Com o apoio do ministro do Supremo Gilmar Mendes, que à época era presidente também do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e dos então presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira, chegou-se a um anteprojeto que atribuía ao presidente da República, eleito pelo voto direto, um papel mais amplo que o de árbitro de decisões do governo. O artigo 61 conferia ao presidente a competência de propor leis ordinárias e complementares. Por sua vez, o artigo 84 permitia ao chefe de Estado vetar total e parcialmente projetos de lei.
Essas funções provavelmente tinham o objetivo de fazer com que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovasse a mudança do sistema por uma mudança constitucional, e não um plebiscito. A mudança do presidencialismo para o parlamentarismo já foi derrotada duas vezes em plebiscitos, e o semipresidencialismo aparece como um meio-termo negociável. Mas nosso quadro partidário, hipertrofiado e baseado em lideranças pessoais praticamente donas dos partidos, dificulta um consenso mínimo para a aprovação de um programa de governo.
Agora mesmo o presidente Bolsonaro, que já trocou de legenda partidária uma dezena de vezes, está às voltas com negociações nebulosas para achar um novo partido que possa chamar de seu. Não conseguiu criar a própria legenda, o que denota fragilidade e desorganização, negocia com o Patriota, provocando uma reação interna grande, que pode parar na Justiça Eleitoral.
Tudo devido à divisão do “doce de leite”, como classificou o presidente do partido, Adilson Barroso. Como já fez em negociações anteriores, Bolsonaro está exigindo carta branca para controlar o partido, mas a direção quer que o “doce de leite”, que representa as verbas do fundo eleitoral e do fundo partidário, seja dividido em várias partes, enquanto os Bolsonaros querem o pote todo para os seus.
A saída da família Bolsonaro do PSL, partido pelo qual Jair se elegeu, deveu-se basicamente a essa divisão do butim. O PSL saiu da campanha presidencial de partido nanico para a segunda maior bancada da Câmara, por isso teve direito a uma verba eleitoral e partidária de mais de R$ 350 milhões em 2020, ano eleitoral. No ano que vem, receberá novamente um caminhão de dinheiro.
O potencial eleitoral de Bolsonaro na campanha da reeleição é grande, e o partido que o acolher se candidata a receber um pote de “doce de leite” que vale ouro. Como fazer um regime político eficiente com essas balizas morais e utilitaristas que hoje regem a maior parte de nossos partidos políticos?