"Toda tese", escreveu Kierkegaard, "está exposta ao riso dos deuses". Pensando helenicamente, só eles sabem. Ou, de acordo com pretensões posteriores, nem eles sabem. A idéia, porém, é de que nem as teses mais fundamentais podem fugir à análise e à revisão dos que vêm depois. Na arte da palavra, as teses de que os deuses riem, raramente, criam bons poemas, nem inventam boa prosa. Algo mais do que isto será necessário.
Talvez o "estro". Palavra perigosa, do grego "oistros", que significa "furor", tem para nós a força de uma inspiração que leva ao ato de criação, às vezes jogando uma escola literária contra outra. Pode-se aceitar que tal haja acontecido na poesia brasileira, quando o parnasianismo e o simbolismo pareciam opor-se um ao outro. Pela sua poderosa presença nos livros e na imprensa, teria o parnasianismo saído vitorioso e o simbolismo derrotado. A explosão da Semana de Arte Moderna de 22 teria vindo arredar essa oposição e iniciar uma nova era no País.
Sabemos hoje que não foi bem assim. O simbolismo continuou em Cecília Meireles, Murilo Araújo, Marly de Oliveira e outros, nos traços simbolistas de Jorge de Lima e Murilo Mendes e, principalmente, no simbolista Tasso da Silveira (1895-1968), grande poeta, independente de teses e escolas literárias.
Em bela conferência do professor Leodegário de Azevedo, pronunciada este mês na Academia Carioca de Letras, chamou ele a atenção para a importância da poesia de Tasso na Literatura do País. Ciente dessa importância, por sua vez, lançou a Academia Brasileira de Letras uma seleção de poemas de Tasso que vem mostrar sua posição na primeira linha da palavra feita verso entre nós.
Poemas selecionados dos diversos livros de Tasso da Silveira, numa escolha do poeta Ildásio Tavares, aparecem no volume, extraídos dos onze volumes de poesia que publicou: "Fio d'água", 1918; "A alma heróica dos homens", 1924; "Alegorias do homem novo", 1926; "As imagens acesas", 1928; "Cantos do campo de batalha", 1924; "Alegorias do homem novo", 1926; "As imagens acesas", 1928; "O canto absoluto", 1940; "Alegria do mundo", 1940; "Contemplação do eterno", 1952; "Puro canto", 1956; "Regresso à origem", 1960; "Poemas de antes", 1966.
A fase áurea de sua poesia foi de 1940 a 1952, culminando com o longo poema "Contemplação do eterno", em que Tasso da Silveira canta as estrelas. "Cantarei as estrelas, Senhor,/ perpetuamente as cantarei". No mesmo poema, avultam estes versos: "As árvores não são mais árvores:/ São pássaros.// Está tão adormecida a piscina, passando tão lentas as vozes da tarde,/ o céu é tão alto e puro,/ que as árvores não são mais árvores:/ são pássaros nostálgicos,/ no exílio". Em seguida descreve a lua: "Do fundo do crepúsculo,/ o vento tombou como uma ave ferida/ sobre os tufos e as palmas verdes".
O poema dedicado ao Senhor termina com uma série de "Canções à companheira", em que há estes versos: "Para cobrir teus seios/ a gaze mais tênue e leve/ é grosseira.// Para cobrir teus seios/ só talvez um tecido de pétalas de rosa.// Só talvez uma renda/ de luar.// Para cobrir teus seios/ só mesmo, talvez,/ tuas mãos".
Em seu último livro de poemas, Tasso da Silveira pergunta: "O que temos neste mundo, meu Deus, afora o amor e o sofrimento?/ Temos os ventos, as areias, o mar,/ e os caminhos na montanha e a na planície,// e as estrelas na noite, e os pássaros/ e as mãos puras,/ e as coisas humildes e gloriosas que o homem talhou com mão trêmula".
Em seu ensaio "O empalhador de passarinho", Mário de Andrade, plenamente mergulhado na revolução estática de 22, de que ele mesmo foi um dos maiores líderes, fala de seu modo estético e termina com as seguintes palavras: "É de semelhante mundo imundo que se ergue a figura capaz de ser igual a si mesmo de Tasso da Silveira, entoando o seu `Canto absoluto'. E os seus poemas, tão mansos e silenciosos, soam como um clamor".
O editor Gumercindo Rocha Dórea e a Academia Brasileira de Letras em boa hora lançaram essa reedição dos poemas de Tasso de Oliveira. Organização e seleção de Ildázio Tavares. Capa sobre fotografia do poeta. Orelhas de Adonias Filho e Roger Bastide.
Tribuna da Imprensa (RJ) 3/7/2007