O convite do presidente Bolsonaro para que o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, vá com ele assistir à final da Copa América entre Brasil e Peru, domingo no Maracanã, é um habitual gesto de reconciliação brasileiríssimo que o presidente adota quase sempre que cruza a linha que delimita os poderes do Executivo sobre o Legislativo.
Um gesto cândido que Bolsonaro já adotou em outras ocasiões, quando quer prestigiar um ministro – caso de Sérgio Moro – ou, como no caso de agora, quer se retratar de algum excesso verbal. Ou de um relacionamento precário com o Congresso.
O presidente deve ter se dado conta de que não tem mais a possibilidade de dizer que acima das instituições está o povo, apenas a quem deve “lealdade absoluta”. Esse é um discurso que valeu para ele como candidato a deputado federal, pois cada deputado representa certo grupo de eleitores, ou de corporações.
Como Bolsonaro, que representava as forças militares e as ligadas à segurança pública. Mas não é aceitável para um presidente da República. Além de estar inscrito na Constituição, o respeito aos representantes do povo é um símbolo da democracia representativa.
Menosprezando deputados e senadores, além de um gesto politicamente inábil, Bolsonaro está quebrando um juramento que fez ao tomar posse na Presidência da República. Mesmo que não tenha sido esse seu objetivo imediato.
Outra coisa que ele precisa aprender é o peso da palavra de um presidente da República, muito maior do que a de um deputado ou senador. Só não é maior que a instituição do Congresso.
O compromisso está registrado na Constituição de 1946 por meio da Emenda Constitucional nº 9, de 1964. Em plena ditadura militar, a que Bolsonaro presta homenagem sempre que tem oportunidade.
A Constituição de 1988, no artigo 78, confirmou a necessidade de o presidente assumir o seguinte compromisso: "Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil".
Especialistas entendem que o ato é dos mais importantes da posse, quando o novo presidente se compromete a defender o povo. É verdade que, numa democracia, o povo está acima do Chefe de Estado. E justamente por isso o juramento é feito diante dos 513 deputados federais e 81 senadores, que representam o povo brasileiro.
Não é por acaso, portanto, que ao chegar ao Congresso Nacional, os presidente e vice eleitos são recebidos pelos Presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados. Na presença dos deputados e senadores, e de chefes de Estado estrangeiros e autoridades diversas, fazem um juramento à nação.
Por trás das divergências entre Executivo e Legislativo estão posturas distintas diante das reformas estruturantes de que o país necessita. A reforma da Previdência está caminhando bem, melhor do que se imaginava, e a insistência do presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, para colocar em votação ainda antes do recesso significa a certeza de votos suficientes.
O presidente Bolsonaro, por sua vez, perdeu mais uma queda de braço com os deputados, sem força suficiente no plenário da Comissão Especial para incluir tratamento especial para policiais militares e congêneres. Deu, no entanto, uma demonstração de preocupação especial com seu eleitorado que não se coaduna com o sacrifício pedido aos cidadãos.
Ele é acusado de não ter feito muita força, e nem ter sido atuante nas redes sociais, a favor da reforma da Previdência, mas nos últimos dias foram vários os lideres que receberam seu telefonema a favor do núcleo militar que forma a sua base eleitoral original.
Estamos diante de uma situação paradoxal, em que o presidente sofreu uma derrota pontual, mas, se a reforma for aprovada, poderá comemorar vitória, apesar de ela se dever muito mais ao empenho de deputados. Ele vai poder dizer que acabou com a relação espúria com o Congresso, e mesmo assim, conseguiu aprovar a reforma.
Os parlamentares também estão assumindo seu papel institucional, que muitas vezes pode ser contramajoritário. A favor de uma decisão positiva há o entendimento da maioria da sociedade de que a reforma da Previdência é necessária, embora corporações continuem insistindo em privilégios até a undécima hora.