O país não está apenas dividido, mas dilacerado por suas contradições e seus erros históricos como a desigualdade. Uma campanha presidencial dominada por mentiras, meias-verdades, promessas descabidas e inexequíveis, além de uma agressividade acima de todos os limites civilizados, é o reflexo de um país que está à deriva, e assim permanecerá, seja qual for o resultado da eleição do próximo domingo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apesar dos esforços, tem fracassado no controle da campanha.
Um candidato promete picanha e cerveja para todos, outro garante que dará aumento acima da inflação para todos, quando não o fez nos quatro anos em que governou. A defesa da democracia, imprescindível diante das ameaças recentes, tem sido feita também através de desmandos e ilegalidades do TSE e do Supremo Tribunal Federal (STF), paradoxo que revela uma situação limite que precisa ser superada pelas instituições democráticas que, definitivamente, não estão funcionando.
Há meses, talvez anos, dizemos com orgulho que nossas instituições estão dando conta de reagir aos avanços autoritários do governo Bolsonaro, mas não passa de um ledo engano. Aos poucos, e não foi por falta de aviso, os limites da ação do Congresso e do Executivo foram sendo ampliados além das regras constitucionais, criando um ambiente propício ao descumprimento da legislação mais básica.
Foi assim que o abuso de poder econômico e político levou à decretação de um etéreo e interminável 'estado de emergência', que permitiu ao governo distribuir verba pública a mãos cheias com claro objetivo eleitoral. Nossas contradições como Estado impedem que as leis sejam aplicadas. Como proibir que se dê um aumento do auxílio emergencial diante do descalabro escancarado da desigualdade que a pandemia explicitou? Como votar contra, mesmo a oposição, quando milhões de pessoas passam fome?
Passo a passo, criando constrangimentos às instituições, o governo foi avançando, e para combatê-lo, quando o estrago já estava feito, o STF e o TSE passaram a tomar medidas exorbitantes, por cima das leis. Desde o começo do inquérito das fake news, instituído por decisão do então presidente, ministro Dias Toffoli, que escolheu o relator a dedo, sem passar por sorteio do pleno ou pelo crivo da Procuradoria-Geral da República. O ministro Alexandre de Moraes, depois que as investigações prosperaram, tinha razão de sobra para tomar as decisões que tomou, mas não podia tê-las tomado sem que consequências legais fossem avaliadas. Os fins não podem justificar os meios.
Parlamentares presos, órgãos de imprensa censurados, empresários bloqueados em suas contas. Mesmo que tenha razão, não poderia ter dado passos maiores que suas pernas, e não se diga que o STF pode ser o último a errar. O que não pode é ser o primeiro a errar. Como diz o ministro Luís Roberto Barroso, nossa estrutura legal está montada para que o sistema não funcione.
Não é por acaso que no mensalão, e depois na Lava-Jato, políticos tenham sido presos e condenados pela primeira vez na história. Muitos acusaram as diversas instâncias da Justiça de terem passado dos limites para condenar os acusados, especialmente na Lava-Jato. As revelações do vazamento de conversas entre o então juiz Sérgio Moro e os promotores deram a justificativa que seus adversários queriam para conseguir reverter as condenações, mas também os juizes que acusavam Curitiba de excessos cometeram seus excessos.
A Segunda Turma do STF deu prosseguimento ao julgamento de parcialidade de Moro depois que o ministro Fachin transferira para outros estados o foro dos processos contra Lula, anulando-os. A parcialidade de Moro seria apenas para o julgamento do caso de triplex do Guarujá, garantiam as excelências. O que se viu a seguir foi a anulação de praticamente todos os processos, arquivados sem que o mérito das acusações tivesse sido analisado.
Moro, por sua vez, jogou-se na política de cabeça, aprendendo a tergiversar a verdade com os que criticava e condenou. Entrou no governo Bolsonaro, saiu dele com uma série de acusações gravíssimas, e voltou humilhado à sua turma, dando razão aos que o acusavam de ter motivação ideológica. Os roubos, as confissões, a devolução de milhões de dólares, tudo ficou em segundo plano.
Agora, muitos dos cidadãos deste país abandonado por Deus vêem-se na dilacerante tarefa de votar em Lula, muitos pela primeira vez, para evitar o descalabro de termos mais quatro anos de Bolsonaro. Outros votarão a favor do presidente para impedir a volta ao poder do PT e do lulismo, que consideram outro descalabro. Uma eleição em que os dois finalistas são os candidatos mais rejeitados não representa uma solução. Passaremos apenas de um estágio da crise para outro.