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Um país acéfalo

 

Se Dilma e Temer tivessem usado a energia e a disposição de agora em benefício do país que governaram juntos por seis anos, estaríamos certamente em melhor situação.

Acho que Dilma e Temer nunca se movimentaram tanto quanto nessa campanha em que disputam em lados opostos. Ela, sabendo-se com os dias contados, promete “resistir e lutar até o fim”, como disse no comício do 1º de maio, não sem antes tirar do “pacote de bondades” o anúncio de reajuste do Bolsa Família e correção na tabela do Imposto de Renda. Ele, montando avidamente sua equipe, fingindo por sua vez que não está contando os dias que faltam para sua eventual posse. Se tivessem usado a energia e a disposição de agora em benefício do país que governaram juntos por seis anos, estaríamos certamente em melhor situação. Às vésperas da decisão do Senado, a presidente age para deixar uma boa impressão e sair bem na fita, ou melhor, no livro que está preparando, como antecipou José Casado. É também um legado para infernizar a vida de seu sucessor. Já o vice fala em não poder errar, mas erra antes de começar, querendo reduzir os 39 ministérios para 19, mas logo depois, por pressão, aumentando para 25. Parodiando o general De Gaulle — “Como se pode governar um país onde há 246 tipos de queijo?” —, Temer pode perguntar com mais razão: “Como formar um governo num país que tem 35 partidos, dos quais mais de 30 que apoiaram o impeachment certamente esperam uma recompensa? E ainda por cima com uma Lava-Jato cheia de indesejáveis surpresas?”

Imagina quando o presumível presidente tentar implantar sem apoio popular as medidas impopulares que pretende, com 11 milhões de desempregados, aliados assediando-o por uma boquinha e o PT fazendo aquilo que é sua especialidade: oposição. Não se sabe qual é a tarefa mais difícil no momento. Talvez seja a de Dilma, porque para ele ainda há o benefício da dúvida (“Itamar não deu certo?”, dizem os mais esperançosos). Já no caso dela, há a certeza do que poderia ter sido e não foi. Os dois continuam trocando ofensas num pouco edificante debate. Dilma acusa: “Os golpistas querem revogar direitos e cortar programas sociais, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida. Ameaçam até a educação pública”. Temer revida: “Dizem que acabarei com o Bolsa Família, o Pronatec e o Fies. Mentira rasteira. Devemos manter esses programas e, se possível, ampliá-los”.

Enquanto isso, o ambiente de Brasília é descrito pelos repórteres como o de um poder se desmanchando melancolicamente: ministros esvaziando gavetas, assessores procurando novos empregos e até o cafezinho sendo servido frio às autoridades, quando é servido. Conta-se, mas sem confirmação, que não só as gavetas estão sendo esvaziadas, mas também a memória dos computadores e tudo que possa desorientar os que estão chegando.

Poucas vezes o país justificou tanto ser considerado surrealista: com duas cabeças e acéfalo.

O Globo, 04/05/2016