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Um intérprete do Brasil

 

A pergunta apareceu no site Yahoo Respostas: "Alguém conhece um livro chamado Bandeirantes e pioneiros, de Vianna Moog?". A indagação, por todos os motivos meritória - afinal, o melhor jeito de descobrir as coisas é perguntar -, faz pensar sobre a memória cultural do país. A obra de Vianna Moog (1906-1988) marcou época; foi um dos textos mais discutidos em nosso país. Mas, ao que tudo indica, pode ter caído no esquecimento. Por isso é tão oportuno o centenário de nascimento de Clodomir Vianna Moog, no dia 28 deste mês: evoca uma figura singular de nossa literatura que, para nosso orgulho, era gaúcho.


 


Nascido em São Leopoldo, Vianna Moog, filho de funcionário público e professora, estudou em boas escolas, formou-se em Direito, foi funcionário público. Sua trajetória típica de jovens brasileiros do começo do século passado mudou subitamente quando ele começou a militar na política, nos conturbados anos 30.


 


Participou da Revolução Constitucionalista de 1932, que se opunha ao governo de Getúlio Vargas. Foi preso e transferido para Manaus e depois Teresina. Este exílio representou para o jovem uma oportunidade para conhecer o Brasil do Norte e do Nordeste. Nesse período começou a escrever. Uma de suas primeiras obras foi Heróis da decadência, um ensaio que surpreendeu a intelectualidade do país, sobretudo pela originalidade da tese defendida.


 


Segundo Vianna Moog, em épocas de decadência surgem pessoas notáveis que se destacam não pelos feitos guerreiros, como os heróis habituais, mas que têm a coragem (e a inteligência e a sensibilidade) de analisar, inclusive com humor, esta decadência. São três estes heróis: Petrônio, que viu a derrocada do império romano; Cervantes, que testemunhou o fim da Idade Média e do feudalismo; e Machado de Assis, o grande cronista dos últimos anos do Império no Brasil.


 


Já a obra O ciclo do ouro negro retrata a Amazônia, "um mundo à parte", com a profundidade de um Euclides da Cunha. Vianna Moog voltou para Porto Alegre, dirigiu o jornal Folha da Tarde mas continuou escrevendo: lançou Novas cartas persas, satírico texto que, tomando como modelo a obra de título similar escrita por Montesquieu, faz considerações sobre o Brasil e a cultura brasileira, rotulando o Rio de "cidade afrodisíaca". Seu ensaio literário Eça de Queirós e o século XIX, abordando as controvérsias que cercaram o grande escritor português, fez história.


 


Uma de suas maiores obras é o romance Um rio imita o Reno, que tem como cenário São Leopoldo (o rio em questão é o Rio dos Sinos, que banha a cidade) e fala sobre os conflitos culturais e emocionais numa comunidade de origem alemã. O nazismo estava então em ascensão, e Vianna Moog não deixa de denunciar a intolerância que, também aqui no Brasil, se fazia presente, particularmente numa família em que a filha está apaixonada por um engenheiro amazonense, ali chegado para supervisionar a construção de uma represa.


 


O conflito é inevitável, mas o irônico final (a família descobre que tem ascendência judaica) representa uma tomada de consciência. O livro recebeu o prêmio Graça Aranha, uma eloqüente coincidência: Graça Aranha foi o autor de Canaã, o primeiro grande romance sobre colonização e ao qual Vianna Moog deu continuidade, mas sob um outro, e original, ângulo.


 


O notável ensaio Bandeirantes e pioneiros resultou do longo período que Vianna Moog passou nos Estados Unidos, onde ocupou vários cargos na Organização dos Estados Americanos e na Organização das Nações Unidas. Bandeirantes e pioneiros foi muitas vezes, e com justiça, comparado a Casa grande e senzala, de Gilberto Freyre.


 


Os títulos citados são apenas os mais conhecidos de uma vasta obra que fez história e levou o autor à Academia Brasileira de Letras, onde ocupou a cadeira que pertencera ao também gaúcho Alcides Maya. Falando de sua geração, a dos anos 30, Vianna Moog declarou que a mesma aguardava uma "entrevista com o futuro". Nesta, Vianna Moog foi um grande entrevistador. Ele fez o Brasil falar. E é por isso que até hoje o lemos com prazer e emoção.


 


Jornal do Brasil (Rio de Janeiro) 25/10/2006

Jornal do Brasil (Rio de Janeiro), 25/10/2006