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Um futuro sem esquerdas

 

Não nos damos conta, possivelmente, dos efeitos inéditos das atuais perplexidades dos avanços democráticos sobre as velhas certezas de que um regime de liberdades aprimora a normalidade social e a busca de consensos coletivos. E é em tal quadro que se pode associar, sempre, também, democracia e mudança, como exigência do bem-estar coletivo. Não é outra a perspectiva sempre de uma esquerda, na sua ruptura com o status quo, e na luta contra os conservatismos, interessados no já conquistado e na manutenção de seus privilégios. O que mostram os nossos dias é a falta de alternativa de futuro num pensar-se, de fato, a mudança e a esquerda que a encarna.

As recentíssimas derrotas dos partidos com esta proposta na Europa definem este tamponamento de seu presente. Na Itália, pelo próprio debate trazido à escolha eleitoral, neste outro entorse democrático, que é o controle da opinião pública. Não é outra a sufocação da Península, hoje, pelo sistema Berlusconi, que junta à sua força partidária o domínio da imprensa e, sobretudo, da mídia. Completando-se, assim, esta nova fatalidade da democracia do século XXI, qual o da confusão da realidade pelo seu simulacro, na manipulação da imagem do país que vai às urnas.

A esquerda francesa sofre, no seu castigo, o bloqueio da própria máquina pública, para que possa prosperar, como é próprio das esquerdas, uma ação racionalizada do governo sobre a sociedade. O Estado, exausto, chegou ao limite de sua drenagem fiscal, no custeio do gigantesco aparelho burocrático. Derrotou-se, por outro lado, o governo Zapatero e a melhor promessa de esquerda na Espanha, pela intrínseca crise econômica da sociedade que, por sua vez, postula outro impasse. Ou seja, o da sua solvabilidade, ainda, no quadro do Estado-nação, tendo-se em vista a internacionalização do investimento e a fuga das poupanças, no mais sério e duradouro efeito da crise de 2008, no continente europeu. Atingida, a Alemanha ainda afasta o conservadorismo do poder, mas, à custa do recado já adiantado por Angela Merkel. Ou seja, da compartimentação do seu mercado de trabalho, eliminando as migrações estrangeiras e, de saída, a do mercado árabe-turco,em novo maltusianismo econômico.

Depara-se, por aí mesmo, o confronto irremediável para qualquer esquerda, ou seja, o de confrontar exigências elementares dos direitos humanos, qual a de "ir e vir", de que são inseparáveis liberdade e bem-estar social. Os bloqueios se superpõem, atingindo esta esquerda herdeira da Revolução Francesa, num quadro em que é a própria ideia de Europa, dos utopistas dos 50, que começa a ruir. Tal como o espaço Schengen, do trânsito livre dentro de suas fronteiras, nas primeiras barreiras já abaixadas pela Dinamarca.

Jornal do Commercio (RJ), 15/7/2011