A chegada de Rafael Correa à Presidência do Equador abre uma fresta nova neste calcinado ano de 2006, tão bloqueado de dilemas sobre o futuro do Continente. E o faz, fechado o pano desse dezembro, ao mesmo tempo em que a retumbante reeleição de Chávez pareceria ter ressaltado o cenário das leituras ao que sejam a polaridade contra o statu quo e o conformismo com a hegemonia americana. Venha ela de Bush ou da realpolitik, que já demonstram os democratas sem acenos a grandes mudanças e, especialmente, quanto ao seu modelo econômico. Esta inércia empurra para a área conservadora do continente a Colômbia ou o bom comportamento da concertação do Chile, somado à vitória milimétrica de Calderón no México.
Em termos de uma prospectiva mudancista, a alternativa ao Chavismo é a desse Brasil de Lula, da força do segundo mandato; do avanço marcado de uma redistribuição de renda fora dos facilitários populistas, e diante de uma nova e criativa política de parceria público-privada de que são marca os novos investimentos em energia hidrelétrica no país. Chávez pretende reforçar o seu baralho trazendo à cornucópia dos auxílios externos a fragilidade ainda da Bolívia, a que se somaria a do Equador.
A vitória de Correa na penúltima hora, frente ao espectro do sucesso do contendor, livrou o país do pior vaticínio de destruição de um Estado nacional, a garantir sua própria órbita de decisões, no esforço de relance do desenvolvimento na América Latina. Escapou-se no governo de Noboa, o mais rico dos multimilionários no Equador, expressão do sucesso da experiência bananeira, embalado na dolarização expressa de sua economia, e da concentração da riqueza.
Repete-se, com Correa, a situação de Morales na Bolívia, a viver a mesma fratura nacional, chegado ao extremo na privatização do seu petróleo, no quadro do regime neoliberal da última trintena. A contradição atingiria a validade do poder nacional, na mesma medida em que o novo Presidente pergunta se a Bolívia verdadeira, hoje, não se reduz à etnia índia, em luta final para a sua sobrevivência. E até onde é o povo Aymará que responde ao que deveria ser a nação boliviana rompida nas idas e vindas do modelo econômico, por inteiro afastado da extensão da sua riqueza ao próprio país?
Rafael Correa parte de uma crise análoga no continente. Muda, sim, mas o quer fazer com realismo e não há, por enquanto, que romper com a dolarização que herdou. A semelhança, nesse aspecto, vai muito mais a Lula do que a Chávez. É realpolitik, da estabilidade internacional, garantida pelo nosso presidente, que é o ponto de arranque do equatoriano.
É notória, até hoje, a distância entre o Brasil e o país mais a Oeste de suas fronteiras na América Latina. Mas o parentesco começa agora na partida pela busca de alternativas, seu tempo de maturação, sua urgência dos confrontos, só possível às economias de aparelhos sumários de controle público e de extrema dependência da fortuna mineral, como neste momento, a do petróleo venezuelano.
Até quando, no balanço frágil do mercado de qualquer commodity, o Chavismo vive o que pode a primavera da conjuntura: o que repete é um déjà-vu melancólico dos distributivismos populistas. Morales veio-lhe ao abrigo deste climatério das exportações de Caracas. Correa sabe que não se derruba, do dia para a noite, o regime que chegou à sua contradição emblemática - senão grotesca - com a candidatura Noboa. O futuro Equador sabe por onde começam as suas verdadeiras ambições de futuro - fora da pressa e do arrufo bolivariano.
Jornal do Commercio (RJ) 15/12/2006