Dentre as expressões correntes no linguajar cotidiano, o que mais se destaca, impondo-se mesmo como lugar comum, é a certeza de que o tempo vai passando velozmente. Os comerciantes, dotados que são de uma astúcia sensibilíssima, hábil na captação das correntes que os interessam, anunciam os artigos de Natal a quatro meses das festas.
O Padre Antonio Vieira S.J., com seu gênio, fez um dos sermões que mais gosto, na primeira dominga do Advento, sobre o versículo testamentário: "Passará o céu e a terra, mas as minhas palavras não passarão". A boca do Senhor Cristo é um apelo à fé, que é perene, mas para os mortais deste mundo tudo passa. Passam os reinos, passam as amizades, passam os monumentos, passam os impérios, pois tudo passa no mundo em que realizamos a nossa jornada, isto é, para a eternidade nada passa.
Sabemos todos o quanto a vida é frágil e que, como lembra a personagem do Grande Sertão , "viver é difícil". Chegando para os transeuntes deste vale, tantas vezes lembrando o dia da partida, pois tudo passa, menos para a conta que devemos prestar para Nosso Senhor, como vem no Credo. Tudo passa.
Quando as sombras se alongam no crepúsculo e estendemos a vista para o passado, vêmo-lo marcado por cruzes dos que foram ficando pelo caminho. É o tributo que pagamos de luto, de tristezas, de sofrimento, pelo qual seremos julgados pelo Senhor Cristo, como vem no Credo.
É denso o sermão do Padre Vieira e se impõe com seu peso em nossa consciência. Não temos como fugir de sua cerrada argumentação. Tudo passa e está passando, vai passar, por isso nossa vida é composta de sucessões. E vem o refrão, luminoso na juventude, fúnebre no inverno da velhice, se nos faltar pelo mistério das coisas de Deus o linimento da fé. Tudo passa. Passou este ano, passaram os séculos, passaram os tempos de crise e os tempos de paz, como acentua o notável jesuíta, tudo, inexoravelmente. Tudo passa.
Nessa caminhada no tempo esta é a única força contra a qual são impotentes as forças do pensamento, da tecnologia, dos arsenais bélicos, das reflexões dos sábios, da meditação dos teólogos, pois só o conspecto do Senhor o define, com a fé necessária enquanto somos deste mundo, no mistério, quando estivermos na eternidade. Tudo passa. Essa é a nossa única certeza. Passou este ano. Vão passar outros anos. Os vivos sabem, por experiência, que tudo passa, e esperam da graça de Deus Todo Poderoso a paz que deve unir os homens de boa vontade.
Lembremos que tudo passa, que a força do tempo é invencível que, se formos fiéis, Deus nos reservará a morada por que tanto ansiamos. Nesta porfia com a angústia do mundo, sobretudo do mundo presente e do futuro que nos antecipa em tantas eruditas reflexões e nos contrastes do bem e do mal, começará um novo ano, o sexto do terceiro milênio.
Que ele seja de esperança para os homens que desejam viver em paz com a família, tão abalada pelas crises do nosso tempo, até a partida final. São as nossas palavras, nesta transição rastreada de crises em cujas tenazes bracejamos.
Diário do Comércio (São Paulo) 23/12/2005