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Tudo como dantes num boteco do Leblon

 

Tu viu, o homem tá engrossando, já vi ele dando umas quatro broncas brabas.- É, mas não é original. O que chateia nele era que ele era pra ser original, mas não é, decepciona bastante.


- Não saquei. Tu quer dizer esse negócio de fazer mudanças, de nunca mais acontecer isso ou aquilo? Isso é campanha, campanha é uma coisa, governo é outra. É preciso ser muito babaca pra cair em promessa de campanha.


- Não é isso. Eu quero dizer é que ele age igualzinho ao outro, até a taxa de asneira é praticamente igual. À primeira vista, a gente pensa que a taxa dele é maior, mas, tirando essas coisas de Napoleão ter visitado a China e os jogos olímpicos serem em Antenas, são as mesmíssimas asneiras, com a diferença de que as do outro eram muito mais elegantes. E os discursos são os mesmos: esculhambam ou a gente ou eles mesmos. Às vezes você vê o bicho descendo o cacete no governo dele mesmo. Então isso me decepciona um pouco, eu esperava mais originalidade, é a mesma coisa que o outro, nada de ruim era com ele, como não é com esse aí.


- Talvez, mas ele já falou que vamos ter de engolir ele.


- Outra decepção, plágio do Zagallo. Se eu fosse o Zagallo, exigia meus direitos autorais. E eu não vou ter de engolir nada, só engulo o que eu quero, pra mim tanto faz como tanto fez.


- Como “tanto faz como tanto fez”? Tu tá achando bom essa sujeira toda que tem aparecido aí, não acaba nunca?


- Sempre teve isso, não é novidade. Tu tá querendo me convencer de uma coisa que não é verdade, tu vai me dizer que nunca aconteceu isso antes.


- Deixe eu ver se eu entendi, porque estou até te desconhecendo. Quer dizer então que tu acha que, porque sempre foi assim, tem de continuar assim, é isso que tu acha.


- Não é uma questão de achar, é questão de saber. Ele mesmo falou isso, lá em Paris. Interpretaram mal, tiveram má vontade. Ele falou a realidade, a realidade é essa. Mania besta de querer mudar a realidade.


- É, mas vai mudar. Agora vai ter que mudar. Você tem assistido o canal das CPIs?


- Só me interessei em ver o confronto entre o Roberto Jefferson e o Dirceu. Por sinal, achei fraquíssimo, eu esperava até porrada, quer dizer, esperava pelo menos um deixa-disso movimentado, mas foi aquela mesma coisa. Nada de originalidade outra vez, ninguém é original, eu achava que bem que podia haver uma certa originalidade. O Roberto dizendo “eu afirmo que Vossa Excelência mandou dar uma grana a Fulano do PSDB” e tal e o Dirceu dizendo que não sabia de nenhum Fulano, nem de nenhum partido com essa sigla estranha e, aliás, o que queria mesmo dizer “grana”?


- Não, você não está sendo justo. Está certo que alguns membros das CPIs fiquem se exibindo o máximo que podem para as câmaras e dizendo uma coisa a depois se desdizendo, mas isso é do ser humano e a maioria você vê que está dando duro...


- Um para livrar a cara do outro, isso com certeza. Tu já ouviu falar no acordão, não ouviu?


- Já, mas não vai dar pra ter acordão nenhum, neguinho já se tocou.


- Sei, sei. Morde aqui para ver se sai leite, cara pálida, como se dizia antigamente. Claro que vai haver acordão. Que é que você quer, destruir o país, é isso que você quer?


- Tu tá pirado. Quer dizer que, quando eu falo em consertar o que está errado, em punir todos os culpados, em moralizar o país, tu acha que eu estou querendo destruir o país. Tu não tá vendo que é o contrário, tu tá fora de si?


- Absolutamente. Tu é que é uma besta colonizada que assiste filme americano com mocinho e acredita que aquilo existe. Claro que esse negócio todo só vai render é noticiários, entrevistas, xingamentos, processos de 40 anos e mais 18 de recursos extraordinários. Mas daí não passa, escreva o que eu estou te dizendo, boto até um trocado nisso, se você estiver a fim.


- Eu não acredito, tu tá de porre outra vez. Claro que vai dar, todo mundo está vendo, a cada dia aparece pelo menos um esquema novo de tramóia, um golpe novo. Até o Banco Rural, diz aqui, falsificou não sei quantos não sei o que lá para atender às conveniências do Marcos Valério. E tome falcatrua, tome maracutaia, tome ladroeira, cada hora aparece uma bandidagem nova ou alguém confessa que estava mentindo e é ladrão mesmo.


- Olha aqui, eu não sou nenhum Sócrates, mas leio umas filosofias e usei o método dele para tirar de você a verdade que já estava dentro de você. Eu sou socrático, sempre fui. É pelo que você mesmo diz que se chega à conclusão mais do que óbvia de que não vai dar em nada. Tem tanta gente envolvida e cada vez mais aparece gente envolvida que daqui a pouco, se nós dois facilitarmos, vai pintar denúncia ou cana em cima da gente, aqui nunca se sabe nada. Não, graças a Deus, tudo bem, deixa rolar um bocadinho essa distração para o pessoal e aí não dá em nada, fica todo mundo numa boa como todo mundo que eu conheço mais ou menos está e quem não está, sorry , é a vida e vamos levando. É por isso que eles dizem que o melhor do Brasil é o brasileiro. E ninguém vê a abertura que eles estão dando para quem quiser, quando dizem que o país é de todos? Cada um que vá procurando se fazer, cada um que pegue suas melhoras, o presidente mesmo já pegou, fez ele muito bem e o exemplo está aí para qualquer um seguir.


 


O Globo (Rio de Janeiro) 14/08/2005

O Globo (Rio de Janeiro), 14/08/2005