A diferença entre o presidente que sai e o que entra aparece já na fala. Barack Obama se despediu com um discurso elegante e sereno, cheio de esperança na democracia. Já Donald Trump, mesmo depois de eleito, tem se destacado pelo baixo nível de seus comentários, principalmente no Twitter, que é a mensagem escrita em 140 caracteres como se fosse um slogan. Belicoso, polêmico e preconceituoso, seu discurso está sempre recheado de racismo, xenofobia, homofobia, misoginia, sexismo. Um de seus alvos são as mulheres, a última das quais Meryl Streep, chamada de “puxa-saco de Hillary”. Antes, na campanha já tinha ofendido várias mulheres, inclusive sua adversária. A uma comediante ele xingou de “nojenta por dentro e por fora, uma porcalhona”). Para quem gosta tanto de ridicularizar a aparência alheia, cai-lhe bem o apelido de “febre amarela” — pela forma e pelo conteúdo.
Agora, ele está recebendo o troco de sua incontinência verbal. Além dos muitos artistas que vão boicotar sua posse depois de amanhã, mais de 30 congressistas prometem aderir ao protesto. Também líderes europeus reagiram aos seus ataques à política da Alemanha para refugiados, à União Europeia, à Otan e ao acordo nuclear com o Irã. Angela Merkel respondeu que “a Europa é dona de seu próprio destino”.
Como se explica essa compulsão de ultrapassar limites — éticos, do bom senso ou do respeito aos outros. Um analista atribui o comportamento a uma conhecida patologia que faz o portador perder a noção do mal que produz. Como isso não é da minha enfermaria, prefiro deixar as causas para quem entende e me ater aos efeitos. Em tempos de pós-verdade, em que os fatos valem menos do que as crenças, Donald Trump parece ter descoberto um conceito equivalente, que passou a utilizar: a pós-ética. É um sistema com um código moral próprio, em que prevalecem a inconveniência, a incorreção, o desvio como norma e a exceção como regra. O mais grave é que metade da maior democracia do mundo concorda e apoia essa subversão de valores. Vamos ver no que vai dar.
Barack Obama não é uma unanimidade positiva. Os críticos apontam como principal derrota de um Prêmio Nobel da Paz não ter conseguido pacificar o Oriente Médio. Em compensação, promoveu a reaproximação com Cuba e, no plano interno, garantiu o acesso de 20 milhões de pessoas à saúde, entre outras vitórias políticas como a aprovação do casamento gay na Suprema Corte.
Sem falar que, em matéria de dignidade, é difícil imaginar que Trump consiga repetir o feito de Obama e sua família: oito anos de mandato sem um escândalo.