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A transferência de Gutiérrez

 

Os rapazes da FAB, que retiraram do Equador o presidente deposto Lúcio Gutiérrez merecem aplausos. Nos velhos tempos de Hollywood seriam, sem dúvida, aproveitados num filme de aventura.


Uma parcela, ao menos, da opinião pública do Equador se opunha à saída do presidente deposto, e seu exílio no Brasil. Essa parcela chegou, mesmo, a fazer ameaças ao Brasil, profanando a bandeira nacional, nas reuniões de rua e nas passeatas de protesto contra a concessão de exílio.


O episódio do presidente Lúcio Gutiérrez não é novidade na América Latina, onde os regimes não duram, com exceção de um ou outro, atualmente o Brasil, onde a democracia está se fortalecendo. Já não é mais, felizmente para todo o país, a plantinha tenra de que falava Octávio Mangabeira, quando se referia às nossas instituições. Mas, na maioria dos países latino -americanos o que ainda temos são as revoluções, os golpes de palácio, a fuga do presidente para o exterior, e a ascensão de um vice-presidente para completar o quadro. É a crise de que falamos há dias.


Com efeito, o presidencialismo está há muito em crise na América Latina e em outros países do mundo não é melhor do que aqui a sua situação. Citamos, ao comentar a crise do Equador, o publicista inglês Harold Laski, para o qual o presidencialismo é menos e mais do que uma ditadura. Para, em geral, uma ditadura às vezes branda, às vezes drástica, como a de Arthur Berbardes no Brasil, com seus quatro anos de estado de sitio.


Neste momento, no Brasil, no Chile, a duras penas na Colômbia, e contra ventos e mares na Venezuela, com Hugo Chávez todo poderoso.


Queira-se ou não, vemos que o presidencialismo não vingou nos países que o copiaram dos Estados Unidos, onde é solido, pois está perfeitamente institucionalizado. O presidente, com todos os poderes que detém nas mãos, como prova a recente guerra do Iraque, faz e desfaz, mas tem que ficar atento ao Congresso, que é poderoso, tendo seus membros competência para legislar contra o presidente se for necessário, como já foi necessário.


O problema, no fundo, é esse, da instituição do presidencialismo que cambaleia e não cai em vários países, cai noutros e vai sendo adotado no mundo inteiro, que há anos impôs-se sua vigência.


O presidente Lúcia Gutiérrez vai ficar aqui, se atiradores de elite não o prostarem com um tiro certeiro. O Brasil honrou suas tradições de amizade e de respeito aos pedidos de exílio. Mandou os rapazes da FAB buscarem o fugitivo, que foram admiráveis.


 


 


Diário do Comércio (São Paulo) 29/04/2005

Diário do Comércio (São Paulo), 29/04/2005