O discurso do líder iraniano Mahamoud Ahmadinejad na abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o desarme nuclear marca a ponta ou o extremo em que a chance de uma nova convivência internacional pode sair das velhas hegemonias em que vivemos, ainda, um mundo de após a queda do Muro. Num quadro de verdadeiro desarme internacional, o controle efetivo do poder atômico deve se fazer no plano, só, dos donos das ogivas ou competirá de fato a uma autoridade internacional?
Por que não, e logo, a presença de nações não nucleares, num conselho específico para supervisionar o efetivo e nítido desmonte do potencial atômico com que já se comprometeu o governo Obama? A proposta de Ahmadinejad ao plenário da ONU vinha de par com a questão endereçada também aos Estados Unidos, para efeito da tranquilidade do Oriente Médio: qual o potencial nuclear de Israel?
O chanceler Celso Amorim pode exprobrar o excesso de Ahmadinejad, vendo como uma provocação de efeitos medidos, para negociar o próximo passo. Mas o imbróglio subsequente levou ao conflito entre segurança, direitos humanos e aperfeiçoamento democrático. O impasse ecoa a amplitude da discussão, em Córdoba, da XXI Conferência da Academia da Latinidade, quando se debateu a viabilidade de um diálogo internacional.
É dentro da "civilização do medo" que não se pode pensar em passos adiante, num desarme que não seja absolutamente simétrico, e na superação de uma irracionalidade que chega ao martírio dos homens-bomba. Pôde-se avançar em Córdoba na superação da crença de que um diálogo internacional a ser retomado depende, apenas, da boa vontade dos integrantes ou do desarme dos corações, sem se dar conta do bloqueio de preconceitos que criaram as paredes do pós-11 de Setembro.
São os direitos humanos, como querem facções radicais do Oriente Médio, uma ideologia ocidental? É possível, como vem de fazer o estado do Arizona, negar a presunção de inocência de todo cidadão, prendendo-se, de princípio, todos os mexicanos sem papéis? É regressiva a proposta do Parlamento espanhol, de falarem-se os cinco idiomas do país no seu plenário, num claro repúdio à língua franca da nação?
Sobretudo, o que se reiterou em Córdoba foi a visão tantas vezes ideológica da racionalidade fazendo do Ocidente o sinônimo da civilização. Nesse novo diálogo das culturas a que se voltam as Nações Unidas - na Conferência de 29 de maio próximo, no Rio de Janeiro - pretende-se fugir, de vez, às cansativas tramas do óbvio no consenso internacional.
O Globo, 21/5/2010