Para o filósofo Martin Buber, “a tradição é a mais nobre das liberdades.” O povo judeu cultiva de modo enfático a sua memória, que desde os tempos bíblicos, é transmitida de geração em geração por intermédio da tradição oral inscrita em diversas coleções reunidas sob o nome de Midrash.
Foram muitas as perseguições vividas pelo povo de Moisés, mas nenhuma teve o impacto do que ocorreu no Holocausto. Seis milhões de mortos, sendo um milhão e meio de crianças. Ao visitar o Yad Vashem, em Jerusalém, comoveu-nos a citação, num amplo anfiteatro totalmente no escuro, dos nomes de cada uma das vítimas inocentes da bestialidade nazista.
Garoto ainda, fui conhecer no Estado de Israel a minha tia Rosza, irmã mais velha do meu pai. Estranhei uma espécie de tatuagem no seu braço e perguntei a origem daquilo. Ela, então, me contou a sua memória dolorida do Holocausto. Muito jovem, foi aprisionada na Polônia pelos nazistas e levada para o campo de extermínio de Auschwitz. Foi marcada com a letra e o número que jamais a deixaram, em todos os sentidos:
A – 19386
Salvou-se por milagre, escondendo-se numa montanha de cadáveres e lá permanecendo durante três dias, fingindo-se de morta. Aproveitou-se de um descuido da vigilância e fugiu para uma floresta próxima, ganhando depois a sonhada liberdade e a acolhida de um caridoso casal católico.
Não é o único caso da família, que foi quase dizimada nas cidades de Ostrowiec e Osiec. A exceção foi para os que desconfiaram da onda nazista e escapuliram para o Brasil, os Estados Unidos e o Canadá, onde puderam dar curso às suas existências, sem os riscos de tantas atrocidades.
Como jornalista, conheci o campo de trabalhos forçados de Buchenwald, na então Alemanha Oriental. Dados impressionantes: ali morreram de fome, sede e frio cerca de 60 mil judeus, quase todos nascidos na própria Alemanha. Depois, na Alemanha Ocidental, visitei o campo de concentração de Dachau. Foram conservadas as suas características de extermínio, sendo possível ver os chuveiros da morte e os terríveis fornos crematórios. Custa a crer que a humanidade, nos tempos modernos, tenha vivido tamanho período de horror e perseguição.
Os nazistas, na II Guerra Mundial, assassinaram 20 milhões de seres humanos, seis milhões dos quais pelo simples fato de serem judeus. É preciso lembrar isso tudo, quando a ONU criou o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto. Esquecer? Jamais!
Jornal do Commercio (RJ), 24/2/2012