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A total falta de estima

 

Domingo de manhã, uma amiga telefona para comentar a divertida crônica de Xexéo sobre a dificuldade de manter uma vida social nos dias de hoje. Ele se referia a um jantar de 12 comensais que não se conheciam, tendo em comum apenas a amizade da anfitriã. Como sempre, ele conseguiu tratar com graça um assunto tão desagradável quanto a intolerância política, que, mesmo sem ser convidada, costuma se infiltrar nas conversas, tornando tenso e agressivo o ambiente.

Já vivi situação parecida, em que se faz de tudo para evitar essa infiltração, conversando sobre o tempo, o filme, a peça, a novela, o show (contanto que não seja do Chico, porque, como lembrou o Xexéo, corre-se o risco de ouvir “por que ele não vai morar em Cuba?”). Nesses casos, ele recomenda recorrer à única unanimidade possível, que é falar mal de Crivella e Pezão (o “Fora Temer” já saiu de moda).

Minha amiga, que tem família grande e diversificada, se identificou muito com o relato do cronista. Ela falou da quase impossibilidade de reunir em paz, em casa, a filha petista fanática, o sobrinho coxinha, o filho torcedor da Marina e até a jovem neta neofeminista, tal como descrita na crônica: “As neofeministas são desbravadoras de caminhos já desbravados (...) Já, já elas vão propor que se queimem sutiãs em praças públicas”.

Ao responder outro dia sobre qual seria a diferença entre a situação atual e a de 68, provoquei reações por afirmar que naquela época as pessoas brigavam contra a ditadura e hoje brigam entre si. O que quis dizer é que, além de faltar autoestima ao brasileiro, falta alter estima, ou seja, a estima do outro.

Para o primeiro caso, há até razões. Por exemplo, ontem, Dia do Trabalho, quase 14 milhões de trabalhadores certamente não comemoraram o feriado por estarem desempregados. E todos, inclusive nós, ainda devemos nos dar por satisfeitos por não estarmos entre as cem pessoas que são mortas por armas de fogo todos os dias no país. E talvez por sermos um dos três brasileiros entre dez a não experimentarmos a sensação de insegurança considerada a maior do mundo por um estudo da ONU.

Mas e o caso da falta de alter estima? Por que tanto desamor ao próximo? Por que tanta desobediência ao segundo mandamento da Lei de Deus: “Amarás teu próximo como a ti mesmo”. Por que se desentender, por que se ofender, por que romper afetos e amizades por uma causa que, como ensinou um sábio mineiro, “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou.”

Ou seja, os aliados políticos de hoje podem ser os desafetos de amanhã, e vice-versa.

O Globo, 02/05/2018