Dias desses, desci do meu escritório, no largo do Machado, ia direto para a garagem pegar o carro, mas me deu vontade de tomar um sorvete na carrocinha bem em frente ao prédio onde era antigamente o cinema São Luís.
Estava pagando o sorveteiro quando um ônibus superlotado parou quase à minha frente e vi que havia confusão. Um velhinho, de bengala, queria descer, mas havia muita gente na porta do ônibus, o velhinho estava sendo espremido por outros passageiros.
Ouvi uma voz, em tom de protesto: "Respeitem o idoso!". O idoso em questão, brandindo a bengala, reclamou: "Não sou idoso. Sou velho!".
Taí. De uns tempos para cá, na onda cretina do politicamente correto, até o vocabulário do dia a dia continua atrapalhando a comunicação social. Já não se diz negro, mas afrodescendente. E os velhos deixaram de ser velhos, tornaram-se idosos.
Dou razão ao velhinho do ônibus. Afinal, a palavra "velho" não é palavrão nem ofensa. Por acaso, naquele mesmo dia, fui confirmar isso com um verso de Drummond num livro que tem uma dedicatória do poeta. Ele aproveitou a remessa para me chamar de "velho amigo do 'Correio da Manhã'", o que muito me honrou.
Aliás, tenho alguns livros que recebi de seus autores sempre aludindo a uma "velha amizade" e até mesmo a uma "velha admiração" de algum escriba generoso. Lembro que, após um discurso apocalíptico de Hitler, nos anos 1930, o papa de então, que era Pio 11, comentou: "Estamos perdendo o sentido das palavras".
Pensando bem, a confusão da humanidade começou na torre de Babel. Para castigar a audácia dos homens que queriam chegar até o céu, o Senhor fez com que cada um falasse um idioma.
O que era pedra para um, para outro era corda. A torre ficou inacabada e até hoje os homens não se entendem.