O movimento de Bin Laden vê-se obsoleto, diante da implacabilidade do EI, na exclusão de qualquer alteridade social, negando qualquer convivência coletiva.
O que se deparou, de logo, no massacre parisiense é que os assassinos do EI abrangem, hoje, uma rede mundial bem para além do Oriente Médio. São franceses e belgas que foram ao abate de seus concidadãos, a manifestar um extremismo ligado a uma crise de civilização, ou seja, à ruptura com o estilo de vida e os valores da modernidade. A violência nascia da denúncia desse fruir do nosso tempo, na sua leviandade e intransitiva fruição do consumo — acusam os terroristas —, evidenciada nos bares e restaurantes da cidade. Vai-se à agudização de um choque histórico, começada com o abate das Torres Gêmeas pela al-Qaeda. Tratava-se, então, do protesto contra o sufoco, pelo Ocidente, das culturas lindeiras, a partir da islâmica, na busca de sua afirmação identitária, travada nos últimos dois séculos. O movimento de Bin Laden vê-se, hoje, obsoleto, diante da implacabilidade do EI, na exclusão de qualquer alteridade social, negando qualquer convivência coletiva.
A magnitude da agressão de agora indica o que pode advir na trilha dos homens-bombas e do voluntariado para o martírio. Na condenação, pelos centros islâmicos, do horror de Paris, torna-se bem claro o quanto a catástrofe nada tem a ver com conflitos religiosos, mas com a imposição de um inédito exclusivismo social e com o abandono de qualquer convivência com a humanidade. E, embalde, o esmagamento se fará pelo bombardeio maciço de Raqqa, na Síria, ou dos territórios adjacentes. A iniciativa de Hollande deu conta das expectativas da opinião pública, que não parece se desmobilizar do horror de 13 de novembro.
Não há vitória para os jihadistas ocidentais, no sentido de ganhos materiais ou políticos, mas a satisfação, literalmente sacerdotal, de executores de uma virada histórica, sem retorno, num bárbaro profetismo, sem prazo. Na sua desconstituição histórica — implicando, ainda, a demolição dos monumentos de Palmira, também na Síria —, o EI vai à negação do Estado nacional ou dos impérios ocidentais. Mas não tem nada de um recuo histórico, e sim da afirmação de uma prospectiva que só se articula pela radicalidade e a ela conscreve uma nova geração europeia, exaurida no desempenho em que a confinaram os tempos de hoje.
A pergunta nasce de imediato. A violência inaudita do Bataclan é, já, a de um empenho, apenas no seu começo, que se pode irradiar numa infinita “guerra de guerrilhas”, pela superação, sem volta, da civilização do consumo? E que resposta a esse repto, a se entregar a uma espera, sem prazo, senão o da própria reinvenção do Ocidente, frente ao esgotamento histórico da modernidade?