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Temporada de reveses

 

Sem querer — na verdade, contra sua vontade — Bolsonaro conseguiu um feito histórico, porque inédito: unir numa parceria seis veículos de imprensa do Rio e de São Paulo. De fato, O GLOBO, “Extra”, “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S.Paulo”, G1 e UOL formaram um consórcio para coletar junto às secretarias de Saúde dos 26 estados e do Distrito Federal os dados corretos sobre a pandemia.

Como o presidente não se conformava com os números crescentes da Covid-19 no Brasil, a solução tentada pelo Ministério da Saúde seria manipular os números e retardar a divulgação. Só para dar um exemplo. Domingo, num primeiro anúncio oficial de óbitos em 24 horas, o total chegava a 1.382. Duas horas depois caiu para 525.

Se eu não tivesse ouvido e visto na televisão, não acreditaria. A euforia com que Bolsonaro havia comemorado o seu feito — “acabou matéria do ‘Jornal Nacional’ KKK” — não deixava dúvida de seu plano de vingança. Só que o tiro saiu pela culatra. Ele talvez não contasse com a reação não só dos jornais daqui e de fora, mas também do Judiciário, do Congresso e de instituições da sociedade civil como a OAB.

A relação de Bolsonaro com a Covid-19 sempre foi ciclotímica, como tudo nele, oscilando entre a depreciação e a paranoia. Ou não tinha a menor gravidade, era uma “gripezinha”, ou sua mania de perseguição achava que ela fora lançada contra ele pelos comunistas chineses. O seu ministro das Relações Exteriores chega a chamá-la de “comunavírus”, já que, segundo ele, faz parte de um plano comunista. Ele acha que vírus tem ideologia.

A sua pirraça em afrontar as recomendações dos cientistas, não usando máscara e promovendo aglomerações, só não é ridícula porque é grave. Ele põe em risco a saúde das pessoas que abraça e, em alguns casos, comete infração criminosa, como cansa de ocorrer em Brasília.

Em meio a outros revezes, está correndo desde domingo nas redes um vídeo em que Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro e dos filhos, ameaça derrubar o governo e, quanto à condecoração recebida, manda enfiar... você imagina onde.

O Globo, 10/06/2020