Passado o primeiro turno, sem mesmo pensar no resultado do segundo, os líderes partidários de esquerda e de direita têm muitas decisões a tomar tendo em vista a busca pelo poder central em 2026. Na direita, há uma disputa aberta entre os bolsonaristas e Gilberto Kassab, presidente do PSD, partido que fez o maior número de prefeitos e mantém um pé na canoa petista, com três ministérios no governo Lula, e o outro firmemente fincado na canoa da centro-direita, como integrante do secretariado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
Do lado da esquerda, que poderá ganhar um fôlego se Guilherme Boulos do PSOL derrotar o prefeito Ricardo Nunes no segundo turno em São Paulo, é preciso começar a falar em renovação de quadros e de programa, diante do enorme vácuo ocupado por Pablo Marçal no eleitorado jovem, especialmente da periferia, hoje presa fácil de manipuladores. O estelionato eleitoral de Marçal é igual ao estelionato que muitos fazem nas redes sociais, vendendo moedas digitais inexistentes ou pirâmides financeiras que prometem lucro fácil.
Os direitistas mais arraigados acham que ou o governador Tarcísio de Freitas se afasta de figuras como Kassab e o ex-presidente Michel Temer, ou entrará para a vala comum de políticos bons de “arranjos”, mas ruins de votos. A demanda, dizem, é por gente afirmativa. Se não for picareta como Marçal, tanto melhor. Muito desse trabalho dependerá de Bolsonaro, que precisa definir se vai de Tarcísio para presidente no curto prazo, em 2026, ou se aguardará sua elegibilidade até a última hora para decidir.
Nesse ponto, os dois maiores apoiadores de Tarcísio combinam, por razões diferentes. Kassab quer que Tarcísio concorra à reeleição em São Paulo para não enfrentar Lula agora. Os bolsonaristas acham que esse é mais um truque para manter-se no que identificam como jogo duplo de Kassab, um arranjo com Lula para 2026. Bolsonaro, por sua vez, pretende permanecer candidato até o último momento, aguardando uma anistia que nada indica se virá. Se decidir logo que Tarcísio é seu candidato, conseguiria atraí-lo para o PL, eliminando a influência de Kassab. Este teria de aderir ao projeto ou cair fora do governo de São Paulo.
Se prestigiado por Bolsonaro, não haverá como Tarcísio continuar dependente de Kassab sem receber a pecha de traidor, pecha essa mortal para qualquer político, raciocinam os bolsonaristas. Se a esquerda, por seu lado, não entender as demandas dos cidadãos que votaram em Marçal — não são radicais, mas jogam em bets para ganhar dinheiro fácil e vão atrás do ex-coach para ganhar dinheiro rápido — e não criar projetos que lhes deem perspectiva, deixará aberto esse caminho.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, admite que é preciso fazer um balanço para ver o que a esquerda tem de mudar. Falta renovação nos quadros. O “aburguesamento de valores” da classe média brasileira, como alguns estudiosos definiram, já estava identificado em pesquisa do Instituto Perseu Abramo, ligado ao PT, logo após as eleições municipais de 2016, quando o partido perdeu largamente.
O instituto avisava que o “imaginário social dos moradores da periferia de São Paulo”, já àquela época, revelava intensa presença dos valores liberais do “faça você mesmo”, do individualismo, da competitividade e da eficiência. Uma população que não crê em partidos; almeja crescer individualmente; busca transformações, mas é pouco afeita a rupturas; anseia por novas ideias, mas é também pragmática.
O Instituto Locomotiva, do pesquisador Renato Meirelles, fez uma ampla pesquisa nacional com integrantes da classe C pelo país e confirmou a mudança de comportamento nesse estrato social, que vê no empreendedorismo uma saída para a situação precária em que vive. Essa mesma classe dá prioridade à religião, defende o que considera ser a família tradicional, atribui ao Estado a defesa das liberdades individuais.