José Sarney lembrou, em crônica da semana passada, a grita que a oposição da época fez contra JK por ocasião da compra de um avião Viscount para a Presidência da República. Sarney fazia parte do grupo chamado Bossa Nova, que era o mais radical na oposição ao governo. Lembro-me dessa campanha, que achava pueril. O avião não pertenceria a JK, e sim ao governo brasileiro -serviria a outros presidentes, inclusive àqueles que cassaram JK e o prenderam.
Carlos Lacerda, uma espécie de guru do Bossa Nova, escreveu: "Presidentes insensíveis ao ridículo é que compram aviões assim.". E o Viscount presidencial não era suntuoso, apenas mais rápido. Tratava-se de um turboélice, numa época em que os jatos ainda eram raros na aviação civil. Quase ao mesmo tempo, os Viscounts integraram a frota de diversas companhias comerciais.
JK ia duas, três vezes por semana fiscalizar as obras da nova capital. Nos primitivos DCs da Presidência, gastava quatro horas na ida e quatro na volta. O Viscount diminuía pela metade o tempo de vôo.
Estão criticando o novo avião comprado pelo atual governo, descrevendo-o como um Taj Mahal voador a serviço pessoal de um ex-líder operário que hoje ocupa a Presidência da República. Sou dos que mais criticam o presidente, desde os primeiros dias de seu mandato, quando lançou a bobagem que levou o nome de Fome Zero. E continuo achando que, desde a "sopa do Zarur", não houve medida mais demagógica do que o programa Fome Zero.
Condeno também sua ânsia continuísta e a opção neoliberal que está imprimindo à economia nacional. Quanto ao avião, e retornando ao exemplo de JK, lembro que o Viscount foi ferramenta de trabalho para construir estradas, hidrelétricas, indústrias e Brasília. O AeroLula em si não deve ser criticado. O problema é saber se o novo avião vai servir apenas para levar Lula aos shows do Zeca Pagodinho.
Folha de São Paulo (São Paulo) 17/01/2005