A manobra do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), fazendo seu partido mudar de bloco partidário para garantir ao Planalto mais um voto na CPMI dos Ataques Golpistas, mostra não apenas o tamanho do receio governista, mas, especialmente, a capacidade que nossos políticos têm de desvirtuar mecanismos criados para organizar nossa vida partidária, uma verdadeira bagunça com cerca de 20 partidos em ação no Congresso.
O senador Randolfe Rodrigues é considerado um parlamentar de elite, bem preparado e sério em sua atuação cotidiana, mas não se negou a usar uma artimanha para melhorar a posição do governo que defende numa CPMI que tentou de todas as maneiras impedir de funcionar. As CPIs, mistas ou não, são uma arma da minoria oposicionista, local em que têm condições de igualdade para denunciar o governo, qualquer que seja, mesmo que, ao final, não haja consequências práticas. Mas, como já se sabe, uma CPI, mesmo que não consiga prender ninguém nem derrubar um ministro de Estado, pode provocar feridas profundas no governo, seja qual for.
As federações partidárias foram imaginadas para reduzir o número de partidos em atuação, já que são formadas, teoricamente, por legendas que pensam de maneira semelhante e são obrigadas a votar de maneira homogênea durante todo o mandato legislativo. Blocos partidários são um mero faz de conta da Câmara dos Deputados, uma manobra em si mesma, que permite outras manobras.
Neles se reúnem partidos aleatoriamente, apenas para ocupar posições nas comissões permanentes e na Mesa Diretora. Não importa se pensam e votam de maneira distinta, tanto que, organizados os blocos, eles podem ser modificados, como agora, e se desfazem automaticamente, embora continuem existindo como um fantasma que não quer largar o plano terrestre. Durante quatro anos continuam valendo. São apenas uma gazua, instrumento para arrombar portas e permitir a entrada de parlamentares de acordo com interesses partidários.
Desse modo, a Rede, que fazia parte do Bloco Democracia, com PSDB, Podemos, MDB, União e PDT, passou a integrar o Bloco Resistência Democrática, formado por PT, PSB e PSD. Não há incoerência na troca, pois os dois blocos teoricamente fazem parte da base do governo, mas há incoerência na manobra, só motivada para garantir mais um lugar para o governo na CPI mista.
Como essas artimanhas parlamentares são inesgotáveis, a oposição já respondeu com mais tecnicismo. Alega que a composição que vale para a distribuição de cargos é a do início da legislatura, e não a de hoje, depois da instalação da CPMI. Essa interpretação, se vingar, engessará os blocos partidários, mas eles serão menos ilógicos do que se puderem ser alterados a qualquer momento. Não há mesmo sentido em permitir a troca de integrantes de blocos a qualquer momento.
A CPMI que o governo lutou para não acontecer já seria uma dor de cabeça para o Palácio do Planalto mesmo que não surgissem os vídeos mostrando, no mínimo, a incapacidade do General G. Dias, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSJI), para lidar com aquela crise. Mas já se sabe o que a oposição fará na CPMI dos Ataques Golpistas. Tentará convencer a opinião pública de que não se tratou apenas de incapacitação, mas de leniência com os golpistas. Já que não há possibilidade de desmentir que houve uma tentativa de golpe, claramente orquestrada pelo ex-presidente Bolsonaro, tentarão demonstrar que a crise só tomou tamanha dimensão porque interessava ao governo entrante, para aumentar a rejeição aos bolsonaristas amotinados.
Como se diz, seráuma guerra de narrativas nasredes sociais, que só fará mal ao país.
Oposição tentará convencer a opinião pública de que não se tratou apenas de incapacitação, mas de leniência com os golpistas.