Aprendi pouco na vida e nas escolas, mas havia uma tabuada do Trajano que os meninos eram obrigados a decorar: um mais um, dois; dois mais dois, quatro. E assim aprendíamos a somar, subtrair, multiplicar e dividir. A tabuada tinha jurisdição nacional e creio que internacional, era das pouquíssimas coisas neste mundo em que havia consenso universal. Nos últimos governos, aqui no Brasil, ela foi superada pelos sucessivos ministros da Fazenda e presidentes da República.
Pelas contas do Palocci, repetidas por todos os funcionários graduados do Planalto, as nossas contas estão somando de acordo com uma tabuada própria. O mesmo fez Pedro Malan, que somou, somou, apresentou índices assombrosos, saneou moeda e dívidas, mas, na opinião do atual governo, tudo o que ele fez não passou de uma herança maldita: as contas estavam erradas.
É quase certo que a nova equipe que sucederá a de Lula, em seu provável segundo mandato, adote uma tabuada diferente, somando as parcelas de acordo com os interesses do futuro governo.
Voltando ao passado mais remoto, lembro a prestação de contas do general Figueiredo em seus últimos dias de mandato. Também ele fabricou uma tabuada específica e foi por aí. Além de desdenhar o Trajano adotado nas escolas antigas, o último general-presidente apresentou na TV, em rede nacional, um programa de duas horas de duração, mostrando suas realizações. Fiquei sabendo que o Cristo Redentor, as cataratas do Iguaçu, a floresta amazônica e até mesmo uma passista da Mangueira rebolando no Sambódromo eram realizações de sua profícua administração.
Estamos na metade do primeiro mandato de Lula. Ainda é cedo para a apresentação final das realizações de seu governo. Fatalmente o Cristo Redentor, as cataratas do Iguaçu etc. etc. serão provas de sua administração benfazeja. Por ora, fica evidente que os técnicos da Fazenda esqueceram o Trajano. Para eles, dois mais dois são muitos.
Folha de São Paulo (São Paulo) 14/12/2004