Quando um cardeal polonês tornou-se João Paulo 2º, a surpresa transformou-se em espetáculo. A começar pelo seu passado, vindo da Cortina de Ferro, da pedreira na qual trabalhara como operário, do seminário clandestino que frequentou, de suas experiências como ator e autor teatral, seu doutorado em Roma, quando defendeu brilhante tese sobre Max Scheler, sua vida ao ar livre, atleta de Deus que esquiava nas montanhas e nadava em rios gelados, sua participação na resistência dos poloneses contra a ocupação estrangeira de seu território.
Nada indicava que Wojtyla poderia ser papa. No caso de eleger um estrangeiro para o trono de são Pedro, o segundo conclave de 1978 tinha um candidato mundialmente conhecido, herói de sua pátria, prisioneiro do regime comunista, o cardeal também polonês Stefan Wyszynski, símbolo da Igreja do Silêncio.
A surpresa da eleição de Wojtyla logo se transformou no espetáculo que o tornou personagem do mundo, independentemente de sua liderança religiosa sobre um bilhão de crentes espalhados nos cinco continentes.
Em pouco tempo, era o homem que mais aparecia na mídia mundial, emocionando multidões que apenas queriam vê-lo. Nenhum dirigente nacional, nenhum pop star teve o impacto de sua presença, de sua roupa branca, de seus cabelos também brancos, desalinhados pelo vento de todos os quadrantes da Terra, de sua voz majestosa.
Sua liderança religiosa, marcada pelo valores de uma tradição duas mil vezes secular, recebeu contestações. Sua atuação política, que terminou na queda do Muro de Berlim, começou solitariamente, com a ajuda de operários poloneses, até que, em última fase, contou com a participação de uma grande potência. Um momento da história que, ao menos na etapa final, não teve um tiro, não fez um único prisioneiro.
Sempre espetacular, sua doença e sua agonia agora emocionam a humanidade, não pelo líder religioso que é, mas pelo homem assombroso que sempre foi.
Folha de São Paulo (São Paulo) 03/04/2005