As surpresas da eleição de Nicolás Maduro na Venezuela, por 1,6%, estarrecem diante deste momento único de hegemonia previsto para a continuidade do chavismo — o auge da condolência pela perda do superprotagonista.
O rito funerário, mantido até estes dias, deveria desembocar na consagração do candidato, na confiança na vitória triunfal, na total desnecessidade de um programa para o herdeiro de Hugo Chávez.
Na campanha, Maduro foi às raias do misticismo, vendo-se como a própria reencarnação do antecessor e cercando-se de visões, como a do passarinho pipilante, a rodear o futuro presidente. O que assistimos foi ao colapso dessa expectativa.
Não era outro o augúrio, no começo da campanha, de que os resultados fossem ainda piores que os das eleições de outubro passado.
Entretanto, o que vimos foi a determinação da consciência política contra o factum do esperado êxito do chavismo; a maturidade da repulsa ao fetichismo político de Maduro e, num crescendo de repúdio, uma militância a encher cada vez mais as praças, nas marchas às vésperas do voto.
Surpreendeu, sobretudo, o quadro da rejeição ao fantasma do situacionismo. Despontava o entendimento da fragilidade do modelo econômico, todo baseado na superdependência petrolífera — da ordem de 93% das exportações —, ligada à redistribuição dos seus proventos, à margem de uma verdadeira economia de desenvolvimento, apoiada na industrialização.
A nitidez do contraponto exasperou o intervencionismo das Forças Armadas e a participação das empresas públicas na reta final da campanha eleitoral.
A diferença pequena de votos, ou seja, de 200 mil eleitores, abateu de vez toda crença na vigência do chavismo ad sempiternum, garantido até pela Constituição, que prevê a plena reelegibilidade presidencial, mandato após mandato.
A negação, agora, da recontagem e a repressão frontal às oposições indicam um regime na defensiva, em busca de novas maiorias “por um fio”, em claro contraste com as oposições, fortificadas na determinação do candidato oposicionista Henrique Capriles e de seus liderados.
Significativamente, os Estados Unidos já negaram o seu reconhecimento ao novo governo.
E Maduro parece já ceder à tentação de trocar a estabilidade pela coerção, em um país simetricamente dividido.
O Globo, 2/5/2013