Amanhã é o dia de são Brás. Não tenho qualquer devoção a ele, mas nunca me esqueço de celebrá-lo. Todos os anos, aqui neste fundo de página, gosto de falar nele, mas nas sextas-feiras escrevo em outro canto, o texto é maior e terei outro assunto.
Para quem não sabe, são Brás foi um bispo e mártir dos primeiros anos do cristianismo. Não morreu de nenhuma doença na garganta, mas é o protetor de nossas goelas, sufocações e tosses. Pessoalmente, são males que não constam do meu departamento. Não é por aí que me lembro dele.
Meu apego tem motivos históricos - evidentemente que da minha história, e não da história universal. Na minha infância, era impressionante o número de pessoas que estavam almoçando ou jantando e, de repente, levantavam-se apopléticas, mão no pescoço, sufocadas. Era um gole de água mal tomado, em casos mais graves um osso de galinha, uma espinha de peixe, um caroço de azeitona.
Tornava-se urgente a invocação desesperada a são Brás. Mas não bastava invocar o nome do santo. Era necessário que uma alma caridosa viesse em socorro da vítima e desse um soco nos pulmões do desgraçado, ao mesmo tempo em que gritava: "São Brás! São Brás!". Não era qualquer soco. Tinha de ser dado de baixo para cima, compassadamente, até que o infeliz voltasse a respirar.
O remédio era infalível. Nunca se ouviu dizer, naquele tempo, que o santo e o soco pisassem na bola. Uma eficácia comprovada, passada de geração em geração.
Havia um espanhol cujo apelido era Arranca. Não sei o que fazia na vida, mas era chamado ou sempre estava dando sopa por aí. Sua porrada era definitiva, se o cara não morresse sufocado, morria pelo soco que recebia nas costas.
Todos os anos, desde 1993, conto esta mesma história. Não é falta de assunto, como já disse acima, nem é devoção. Pena que, para o sufoco nacional, não haja um são Brás nem um Arranca.
Folha de São Paulo (São Paulo) 2/2/2006