O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Dias Toffoli, declarou recentemente a jornalistas estrangeiros que, após anos de protagonismo do Judiciário, chegou a hora de abrir espaço para a volta da política. Toffoli propõe um "grande pacto republicano" pela aprovação das reformas da Previdência e tributária, além do enfrentamento dos problemas de segurança pública.
"Não cabe ao Judiciário ser centroavante, mas nós seremos zagueiro", disse Toffoli, para completar: “O Judiciário vai se voltar a garantir os direitos fundamentais estabelecidos na Constituição".
A disputa entre dois grupos dentro do Supremo voltou, porém, a se manifestar ontem, quando o ministro Gilmar Mendes pediu vista no julgamento de um habeas corpus a favor de Lula, depois que dois dos cinco membros da Segunda Turma já haviam votado contra a defesa de Lula.
Mais que a liberdade de Lula, estava em jogo o juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro. A defesa do ex-presidente alegava pela centésima vez que Moro era parcial, e um dos argumentos novos era o de que ter aceitado o convite para ser ministro demonstrava que Moro era um agente político, que prendeu Lula para facilitar a vitória de Bolsonaro.
A tendência majoritária é de que, com o futuro voto do decano Celso de Mello, a alegação seja denegada mais uma vez, assim como em outras ocasiões, pelo próprio Supremo e também pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), como ressaltou o ministro Edson Fachin em seu voto. A ministra Cármem Lúcia afirmou, entre outros argumentos, que o mero convite não pode ser considerado suficiente para configurar a parcialidade.
O jurista Francisco Campos dizia, em outras palavras, o que Rui Barbosa pensava do Supremo: tem direito de errar por último. Para Campos, “juiz último da autoridade dos demais Poderes, o Supremo é o juiz único de sua própria autoridade”.
Como comecei a analisar na coluna de ontem, a propósito do decreto de indulto natalino do presidente Michel Temer, as democracias constitucionais contemporâneas dão às Cortes Supremas (ou aos Tribunais Constitucionais) o poder de invalidar as leis e os atos do Poder Executivo com base na Constituição, mas a extensão desse poder só é definida pela própria Corte, em cada caso.
Um tribunal formado por juízes não eleitos pode, assim, ditar os destinos da Nação. Para o constitucionalista Gustavo Binembojn, no Brasil, a crise da representação política, agravada pela corrupção endêmica e pela incompetência dos últimos governos, acabou produzindo um grau elevado de judicialização da política e das relações sociais em geral. “A Constituição de 1988 prometeu muito e o processo político não conseguiu entregar tudo. A demanda represada por respostas desaguou no Judiciário”.
O Supremo tem sido extremamente ativista nos últimos anos, e progressista em termos de costumes. A renovação dos Poderes Executivo e Legislativo, legitimados pelo voto, produzirá um novo equilíbrio de forças com o Supremo.
Isso se torna mais relevante quando se sabe que as medidas que vierem a ser aprovadas no Congresso serão certamente questionadas pelos partidos de oposição perante o Supremo, que terá que se posicionar sobre temas delicados relativos tanto à área econômica como a temas de costumes.
Será a vez de o Supremo, como quer seu presidente, atuar mais como defensor de direitos e garantias individuais, sem se imiscuir nas decisões políticas legítimas do novo governo no campo das privatizações, reforma da previdência, modernização das relações de trabalho, reforma tributária etc.
Mexer com o futuro ministro Sérgio Moro, visto pela opinião pública como uma esperança de ação contra os crimes de colarinho e a melhoria da segurança pública, em apoio a uma defesa política mais que técnica do ex-presidente Lula, seria um caminho inverso daquele sugerido pelo seu novo presidente.
A pressão popular, e o risco de ser responsabilizado por inviabilizar as medidas adotadas por um governo legitimado pelas urnas, sugerem um Supremo de maior autocontenção em matérias que não digam respeito a direitos fundamentais. Nada a ver, no entanto, com pressões ilegítimas como a sugerida por palavras levianas do deputado Eduardo Bolsonaro, que ainda ecoam nos ouvidos de muitos ministros.