Não se trata de uma declaração racial. Pelo contrário, sou resultado de abominável mistura de sangues oprimidos, vivesse eu na Alemanha nazista seria potencialmente um promissor candidato aos campos de concentração.
Mas sou do Brasil e vivo no Brasil, às vezes pouco à vontade, pensando em emigrar para as ilhas Papuas ou para mais longe. Vez por outra, porém, sinto um baita orgulho de ser brasileiro. Na última quinta-feira, em Passo Fundo, estourei de orgulho durante a homenagem que prestaram ao Ariano Suassuna, dando-lhe o título de doutor "honoris causa" da universidade local.
Já assisti de corpo presente -como assisti de igual forma a missas também de corpo presente- homenagens a outros ilustres vultos de nossa fauna intelectual e científica. Mas nada que se compare ao show de inteligência e humor, de simpatia e brasilidade que Suassuna deu a uma platéia de 5.000 pessoas.
A leitura de seus feitos e desfeitos pelo mestre de cerimônia seria inútil, redundante. Se há um brasileiro que não precisa de currículo é Suassuna. Calado ele sempre fala alguma coisa. Falando - e fala não apenas pelos cotovelos mas pela cabeça, tronco e membros - ele é um grande e profundo clown, adaptado ao setentrião brasileiro, um personagem que o teatro grego, Shakespeare e os grandes autores espanhóis -que eram bons nisso- não tiveram a oportunidade de criar.
Espantosa a rapidez com que Suassuna passa de uma costureira do Recife para Calderón de la Barca, do mais profundo folclore nordestino para Goethe, de um funcionário do Infraero que implica com ele, na hora do embarque, para Shakespeare.
Na visão estrita de sua atuação como showman, Ariano dá um banho nos profissionais. Não conta piadas, não diz o que a platéia quer ouvir. É um caniço que pensa, um pedaço de canavial nordestino que atinge a universalidade do homem. É um pouco vegetal, imensamente humano. imensamente nosso.
Folha de São Paulo (São Paulo) 29/08/2005