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Solidão: use com moderação

 

Nos primeiros séculos da era cristã eram muito comuns os eremitas, crentes que, fugindo da vida mundana, iam para o deserto, onde passavam a viver em cavernas ou, como foi o caso do famoso Simão Estilita, em uma pequena plataforma no alto de uma espécie de poste. Hoje em dia esta possibilidade dificilmente ocorreria a alguém, mesmo porque os eremitas não se isolavam completamente: almas caridosas forneciam-lhes comida, roupa, ajuda quando necessário. Somos seres gregários: preferimos viver em família, em grupos, em comunidades. É uma necessidade que está embutida em nossos genes e que é favorecida pelo fenômeno da acelerada urbanização: 80% dos brasileiros vivem em grandes cidades, nas quais o excesso de gente é a regra.


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Eventualmente, porém, pessoas ficam sozinhas (cerca de 15% da população). É o resultado do celibato, da viuvez, de uma opção pessoal, de um problema emocional. Mas se vocês perguntarem aos médicos o que é melhor para a saúde a resposta certamente será de que viver em companhia de outros nos ajuda, e não só em casos de acidentes no domicílio ou emergências. O neurocientista americano John Cacioppo, da Universidade de Chicago, pesquisador do tema, diz que adultos solitários consomem mais álcool, ingerem dietas mais gordurosas, exercitam-se menos, e seu sono é menos repousante. Um estudo feito na Carnegie Mellon University mostrou que os estudantes mais solitários tinham uma resposta imunitária menos eficiente quando se vacinavam contra a gripe – desenvolviam menos anticorpos.


Numa outra, e curiosa experiência, estudantes da Universidade de Toronto, no Canadá, foram divididos em dois grupos. A um pediu-se que evocassem uma situação em que haviam se sentido excluídos; o outro grupo, pelo contrário, teria de lembrar momentos de agradável convivência. Solicitou-se aos estudantes que estimassem a temperatura da sala onde estavam. Para os “solitários”, esta temperatura parecia mais baixa do que era na realidade. Solidão associava-se ao frio.


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É uma regra geral, esta? Não, não é. Há pessoas que, vivendo no meio de muita gente, sentem-se sós; e há pessoas que, vivendo sozinhas, conseguem ter amigos, diversões, atividade social. Aliás, qualquer pessoa, em determinados momentos, precisa ficar sozinha: para resolver um problema, para pensar sobre a vida – para certas atividades, como escrever, que é em grande parte um “vício solitário”. Solidão, usada com moderação, faz bem, sobretudo quando – e esta é um condição fundamental – a pessoa está bem consigo própria.


Zero Hora (RS), 31/10/2009

Zero Hora (RS),, 31/10/2009